Perry Anderson, no livro “Linhagens do Estado absolutista” (São Paulo, Editora Afrontamento, pp. 70-71), elaborou textos mostrando o que François Chateaubriand já mostrara, no livro “O gênio do cristianismo”, que existiam instituições democráticas na antiguidade, em todo o mundo e na Idade Média:
“No reino de Aragão encontra-se, talvez, a mais sofisticada e intricada estrutura de Cortes de toda a Europa. Cada uma das três províncias (Catalunha, Valência e Aragão) tinha as suas próprias Cortes. A cada uma delas assistiram instituições especiais de guarda, controle judicial permanente e administração econômica, dependentes das Cortes. A Diputació – uma comissão permanente das Cortes – era o seu exemplar mais eficaz. As Cortes, além disso, deviam reunir estatutariamente a intervalos regulares e estavam tecnicamente sujeitas à regra da unanimidade, esquema único na Europa ocidental”.
“As Cortes aragonesas tinham ainda o requinte de um sistema quadri-curial de grandes do reino, pequena nobreza, clero e burgueses. In toto, este complexo de “liberdades” medievais apresentava uma perspectiva singularmente intratável para a construção de um absolutismo centralizado”.
“O espírito do constitucionalismo aragonês estava expresso no impressionante juramento de fidelidade atribuído à sua nobreza: “Nós que somos tão bons como vós juramos a vós que não sois melhores que nós que vos aceitamos como nosso rei e sempre soberano, contanto que observeis todas as nossas liberdade e leis; se não, não”. A fórmula propriamente dita era, talvez, lendária, mas o seu sentido estava gravado nas instituições de Aragão”.
A admiração de Perry Anderson pelo reino de Aragão é compartilhada com Spinoza, que cita o reino de Aragão como exemplo de democracia.
Mommsen (“O Direito Público Romano”), Leon Duguit (“Estudos de Direito Público”) e Georg Jellinek (“A doutrina geral do Direito e do Estado”) também achavam que existiram governos representativos na antiguidade que combinavam democracia indireta com a direta e que estes institutos jurídicos foram incorporados à legislação medieval e atual.
A razão, acho, está com Mommsen e Jellinek, mas ressalto que estes autores também abonam a presença de governos representativos na Idade Média. Eles abonam, assim, a tese deste meu blog sobre a naturalidade da democracia e como a religião protege a natureza e, assim, a democracia popular.
Jellinek, no livro “A declaração dos direitos do homem e do cidadão”, ensinava explicitamente que a idéia de consagrar, com a legislação, declarando e regulamentando os direitos humanos naturais, tem origem religiosa. Jellinek mencionava Roger Williams (1604-1648), expoente da Igreja batista, como exemplo, pois Roger Williams combateu a teocracia calvinista em Massachusetts, fugindo para Rhode Island, onde fundou a cidade de Providence.
Jellinek ressaltava que “o direito outra coisa não é senão o minimum ético”, a parte da ética que interessa diretamente à vida da sociedade. Os textos de Roger Williams, nos EUA, criticaram alguns erros de Calvino, sendo textos mais ou menos na linha otimista, parecidos com os textos arminianos, praticamente católicos. Roger Williams foi um dos principais elaboradores da carta política de Rhode Island, o menor dos Estados dos EUA.
Hoje, Rhode Island é o estado mais católico dos EUA, quase 70% da população é católica.
O regime municipal das cidades medievais (em geral com o máximo de dez mil habitantes) adotava o sistema representativo e isso ocorria com base nas seguintes fontes: 1º) os exemplos dos Sínodos e dos Concílios; 2º) a tradição grega; 3º) a hebraica (exemplos bíblicos como o da eleição de Saul, de Davi e outros reis e da atitude dos profetas em relação aos reis, tal como a ética explicitada especialmente nos textos de Moisés); 4º) a romana com os institutos fundamentais do direito público romano, tão elogiados por Montesquieu e Rousseau; 5º) as tradições germanas, destacadas por autores como XX. Todas estas fontes diversas inspiraram a formação de parlamentos em toda a Europa e isso começou a ocorrer durante a Idade Média (ver a Carta Magna, o Parlamento francês, o inglês e outros), frise-se. Este ponto será ampliado em outra postagem.
A sacralidade dos “valores” (das regras racionais de conduta) decorre da sacralidade da pessoa, especialmente da consciência, mas também dos bons sentimentos e instintos sociais, em harmonia com o bem comum. Por estas razões, o romantismo – inclusive o mais democrático e socialista de Vitor Hugo e Castro Alves – adotou raízes medievais e populares.