A Trindade e a teoria católica sobre a democracia econômica e política

Os textos bíblicos trazem dados que permitem uma compreensão, por analogia, do Mistério da Trindade. Vejamos dois textos do “Catecismo do Vaticano” sobre a relação entre a Trindade e a teoria cristã sobre o poder e os bens:

307. Aos homens, Deus concede mesmo poderem participar livremente na sua Providência, confiando-lhes a responsabilidade de “submeter” [controle consciente sobre os fluxos produtivos etc] a terra e dominá-la (142)”.

“Assim lhes concede que sejam causas inteligentes e livres, para completar a obra da criação, aperfeiçoar a sua harmonia, para o seu bem e o dos seus semelhantes [para o bem comum]”.

“Cooperadores muitas vezes inconscientes da vontade divina, os homens podem entrar deliberadamente no plano divino, pelos seus atos e as suas orações, como também pelos seus sofrimentos (143). Tornam-se, então, plenamente “colaboradores de Deus” (1 Cor 3, 9)(144) e do seu Reino(145)”.

“308. Esta é uma verdade inseparável da fé em Deus Criador: Deus age em toda a ação das suas criaturas. É Ele a causa-primeira, que opera nas e pelas causas-segundas: “É Deus que produz em nós o querer e o operar, segundo o seu beneplácito” (Fl 2, 13)(146). Longe de diminuir a dignidade da criatura, esta verdade realça-a. Tirada “do nada” pelo poder, sabedoria e bondade de Deus, a criatura separada da sua origem, nada pode, porque “a criatura sem o Criador esvai-se” (147). Muito menos pode atingir o seu fim último, sem a ajuda da graça (148)”.

Neste texto do Vaticano 2, há, de forma bem resumida, a forma como os Santos Padres explicavam a Trindade. Há um só Deus, um Ser divino, uma Substância (“Ousia”, essência), mas numa Comunidade, em Três Pessoas, que se relacionam em “processões”, com operações (atributos, fins) específicas, correlacionadas, interdependentes, harmônicas, dialógicas.

O Pai é o Criador, o Senhor, a Causa Primeira, o Poder, o Ser Perfeito, o “Ens”, o Ser que mantém e organiza a Criação, sempre melhorando-a. O Pai opera basicamente pela natureza (causas segundas), que foi criada, é mantida e aperfeiçoada pelo Trabalho divino, do qual fomos criados para ser colaboradores, para povoar e controlar a natureza (cf. “Gn” 1,26).

O Filho (Jesus Cristo) é a Sabedoria, a Verdade, o Verbo, o Logos, o “Noous”, a Palavra, o ser humano perfeito, como deve ser, que se move de forma inteligente e visando o bem comum. Cristo é o modelo perfeito para cada pessoa, é o Herói cujos passos devemos seguir, o Amigo, o Protetor.

O Espírito Santo é o Amor, a bondade, o Bem difusivo, o “Bonum”, que habita em cada pessoa que busca o bem comum, o próprio bem e o bem de todos.

Resumindo, na síntese de Agostinho, o mistério da Trindade ensina que o Ser, a Verdade (a Palavra, a Idéia) e o Bem se identificam, ponto que também foi analisado por Pico de Mirandola (1463-1494), no livro “Do ser e do uno”, onde demonstra a unidade essencial entre as idéias de Platão e de Aristóteles (e dos estóicos, pitagóricos etc), tal como a adequação destas idéias com as idéias hebraicas, bíblicas.

O Pai é o Ser perfeito, o Todo-Poderoso, o Criador, tendo como mediação a natureza, pois, como ensinou São Paulo, “vemos” (por analogia) Deus na natureza (na criação), como que num espelho (“per speculum”, cf. 1ª. Carta aos Coríntios), por reflexos, sinais. Da natureza tiramos as idéias (abstraímos as essências presentes nos seres). A voz da natureza é, assim, a voz da consciência, sendo também a voz de Deus, presente (pela onipresença) na natureza.

O Criador é a Inteligência Suprema (a “Ratio”, Razão eterna) e Bondoso, o que significa, no prisma político e social, que todo o poder legítimo, mesmo o poder onipotente, para ser legítimo, deve ser racional (pautado pelo diálogo racional, discursivo) e bondoso, amoroso, buscando o bem comum, a difusão e universalização dos bens, como faz a atuação do Espírito Santo, que é o Espírito de Amor, da Bondade, do Bem Comum, universal.