Vejamos o sumo da concepção política e econômica de Orígenes (p. 356), com o elogio do trabalho, da ação da inteligência sobre o mundo:
“A necessidade do que é necessário à vida, portanto, produz a cultura dos campos, da vinha, as hortas, a técnica da madeira e a do ferro, que fabricam instrumentos para as artes que servem à aquisição do alimento. A necessidade de se proteger introduziu a tecelagem depois da cardação e da fiação, a arte de construir e, desta forma, a inteligência se elevou até à arquitetura. A necessidade do que é necessário fez transportar, pela navegação e a pilotagem, os produtos de certas regiões para as que não as possuíam. Razões a mais para admirarmos a Providência que, para benefício do ser racional, criou-o desguarnecido em comparação com os animais sem razão”. (…)
“A instituição dos reis e dos príncipes oferece matéria a ampla doutrina: a esse respeito se abre vasto campo de pesquisa, por causa dos que reinaram exercendo a crueldade e a tirania, ou para quem o poder foi ocasião de se entregar à moleza e à volúpia” [p. 672]. (…)
“Deus gosta de ver os seres racionais em acordo e abomina o desacordo entre eles. (…)
“Nós afirmamos, porém, que um dia o Logo dominará toda a natureza racional e transformará cada alma em sua própria perfeição, no momento em que todo indivíduo, usando apenas sua simples liberdade, escolherá aquilo que o Logo quer e obterá o estado que ele tiver escolhido” [cf. p. 679].
A lição dos Santos Padres, bem exposta por Orígenes, é simples: primeiro, a inteligência humana apreende a realidade e formula as necessidades. Depois, cria ferramentas, invenções, instituições, leis positivas, Estados e outras estruturas (sociais, políticas, econômicas, culturais etc) adequadas para atender às necessidades, para provê-las.
Estas idéias foram expostas por Clemente de Alexandria, Santo Irineu, Orígenes, Santa Catarina e outros e reaparecem aqui e ali em muitos autores, próximos da doutrina da Igreja. Por exemplo, estão no núcleo do livro “Liberdade e necessidade” (Rio, Ed. Zahar, 1971), de Joan Robinson, da Universidade de Cambridge, especialmente no último capítulo-conclusão, com o título “Ciência e moralidade”.
Robinson fundamentou seus textos em autores como Noam Chomsky, Myrdal, Roosevelt, no trabalhismo e mesmo Keynes (interpretado por Kalecki), com a mesma tendência a uma democracia social (Estado social amplo), de fundo econômico e popular. Como concluiu Robinson, nas últimas quatro linhas de seu livrinho: “a tarefa da geração atualmente em revolta é reafirmar a autoridade da moralidade sobre a tecnologia”.
Em termos mais simples, como até mesmo Marshall reconheceu em seus melhores textos, a ética verdadeira visa ao “aumento do bem social”, a uma ordenação de condutas e de coisas em harmonia com o bem, com o bem comum.