A síntese da concepção política democrática da Igreja, nas palavras do Cardeal Joseph Höffner, mostra bem a essência da doutrina política católica.
O Cardeal Joseph Höffner (1906-1987) foi Arcebispo de Colônia de 1969 a 1987. Antes, trabalhou em Trier, a cidade natal de Marx, de 1934 a 1945. Este Cardeal não era dos progressistas, pois entrou em choques com Rahner e Küng. É um dos expoentes da ala mais moderada da Igreja. No entanto, mesmo Höffner, no livro “Doutrina social cristã” (8ª. Edição, São Paulo, Ed. Loyola, 1986, pp. 187/189), ensinou claramente as linhas gerais da concepção cristã sobre o poder e o Estado.
A doutrina social da Igreja, nas palavras deste Cardeal, “abre um espaço espantosamente vasto para a liberdade política” por causa de duas proposições fundamentais:
“a) o poder do Estado repousa sobre o povo como um todo, …, na nação politicamente unida. Tal é o pensamento católico, exposto principalmente pelos grandes peritos espanhóis do direito natural do século XV [Suarez, Bellarmino, Lugo, Mariana, Lessio e outras estrelas da Igreja].
b) O poder público… pode ser… exercido… [mediante] diversas formas de Estado. Desse modo, o governo recebe o seu poder diretamente do povo, (…). … o poder… emana totalmente do povo,…. e esta é a doutrina unânime dos discípulos de Santo Tomás. (…) A isto acrescentam os teólogos que, na transmissão… o poder estatal se conserva no povo todo como seu primitivo proprietário (…) … o povo está justificado a reassumir o poder e a depor (…). Pio XII também esposa esta mesma concepção, livre e democrática do Estado, que “pensadores cristãos extraordinários sempre defenderam” (02 de outubro de 1945). (…)
“Do que até agora ficou exposto, conclui-se que a doutrina cristã sobre a sociedade não se fixa em nenhuma forma de governo determinada. Naturalmente, qualquer forma está sujeita à lei do bem comum. Depende, em grande escala, das condições históricas, que forma de governo mereceria a preferência em determinada época e em circunstâncias concretas. A democracia parece corresponder melhor ao sentimento e à mentalidade do homem moderno”.
Assim, a teoria (explicação) sobre o poder, de Höffner, é, em linhas gerais, a mesma da explicação do Cardeal Martini e de outros bispos e cardeais, mais à esquerda. Claro que Martini tinha mais sensibilidade social e mais ligação com o humanismo, na linha de Lercaro e de João XXIII.
No entanto, as linhas gerais são as mesmas, pois são as linhas da Tradição (fusão do humanismo hebreu com o humanismo da Paidéia), deixando clara a tese de Maritain: o ideal democrático é um ideal humano, cristão e racional, logo, é um ideal divino.
Como ensinou Leão XIII, na “Rerum”, as “leis a instituições púbicas” devem ser inspiradas em princípios e idéias exigidos para a realização e construção do bem comum. Um dos bens essenciais que compõem o “bem comum” é a liberdade pessoal, nos limites do bem comum. Como foi ensinado, no Vaticano II, no Decreto “Dignitatis humanae” (7c/1556), “deve-se reconhecer ao ser humano a liberdade em sumo grau e não se há de restringi-la, a não ser quando e quanto for necessário” para o bem comum, de todos.