As ideias cristãs e hebraicas em Noam Chomsky e Bertrand Russel

Noam Chomsky e Bertrand Russel fundamentaram suas idéias democráticas em autores cristãos jusnaturalistas

Robert F. Barsky escreveu o livro “A vida de um dissidente” (São Paulo, Editora Conrad, 1997, pp. 136-137), onde expõe as fontes do pensamento de Chomsky:

Chomsky retomou as fontes de conhecimento que datavam da Renascença. Atraído especialmente pelos séculos XVII e XVIII, abraçou os trabalhos de René Descartes (1596-1650) e Wilhelm von Humboldt (1767-1835), entre outros”.

“Entender esse impulso é compreender o freqüente pedido de Chomsky de que, apesar de seu horror por rotulações, ele ficaria satisfeito em ser rotulado como um colaborador da tradição anarquista (se adequadamente definida) ou racionalista do século XVIII”. (…)

Ele reflete: “Não convenci ninguém, mas acho que há um “fio” importante e detectável (para usar seu termo) que vai do racionalismo cartesiano, passando pelo período romântico (um Rousseau mais libertário, por exemplo), partes do iluminismo (algo de Kant etc.), liberalismo clássico pré-capitalista (notadamente Humboldt, mas também Smith) e assim por diante até a tradição parcialmente espontânea da revolta popular contra o capitalismo industrial e as formas que ela tomou nos movimentos libertários de esquerda, incluindo as porções antibolcheviques da tradição marxista. Também discordo de muitas coisas desse caminho e amontoar esse material todo resulta em imensas incoerências internas (mesmo nos textos de uma única pessoa, digamos Humboldt ou Rousseau, a maioria delas é bem assistemática). Mas estou falando aqui de um fio que pode ser desembaraçado e que pode ter sido apenas tenuemente percebido (como é o padrão, mesmo no próprio trabalho científico, quando se reflete sobre ele um retrospecto). (8 de agosto de 1994)”.

Este “fio”, como viu Chomsky, vem, na verdade, dos textos hebreus e também dos melhores textos gregos, especialmente de Protágoras, Platão, Aristóteles e os estóicos. Vale a pena transcrever mais textos da biografia de Chomsky (pp. 142-144, da obra acima referida):

“Em outras palavras, uma vez que se aceita a perspectiva cartesiana da linguagem, o próximo passo é apoiar os direitos naturais e opor-se ao autoritarismo. Durante o congresso de Barcelona, Chomsky observou: “os princípios de pessoas como von Humboldt, Adam Smith e outros eram os de que as pessoas deveriam ser livres. Elas não deveriam estar sob o controle de instituições autoritárias. E não deveriam sujeitar-se a coisas como divisão do trabalho, que as destrói, e trabalho assalariado, que é uma forma de escravidão. Elas deveriam, sim, ser livres. (…) (“Creation”)

“Numa impressionante tentativa de relacionar os ideais cartesianos com o anarquismo, Chomsky insiste então: se pegarmos aos princípios deles e os aplicarmos ao período moderno, acho que se chegaria bem perto dos princípios revolucionários que animaram Barcelona na década de 1930. E acho que esse é um nível tão elevado quanto o que os seres humanos conseguiram alcançar ao tentar realizar esses princípios, e acho que eram os certos. Não que eu queira dizer que tudo que foi feito estava certo, mas […] a ideia de desenvolver o tipo de sociedade que Orwell viu e descreveu […] tendo o controle popular sobre todas as instituições, econômicas, políticas etc. […] [e a direção certa a seguir. Essa ideia não é nova; na verdade, suas raízes são tão antigas quanto o liberalismo clássico. (“Creation”) (…)

Sobre os artistas, por exemplo, Humboldt escreve que, quando livres de controle externo, “todos os lavradores e artesãos poderiam ser transformados em artistas, isto é, pessoas que amam seu ofício por ele mesmo, que o refinam com sua energia e inventividade auto-orientadas e que, ao fazê-lo, cultivam suas próprias energias intelectuais, enobrecem seu caráter e intensificam seus prazeres” (Humanist). (…)

Citando Rousseau (especialmente seu Discurso sobre a Origem da Desigualdade [1755]), Kant, Descartes, Cordemoy, Linguet e, é claro Humboldt, Chomsky descreve como os pensadores do Iluminismo anteciparam uma sociedade estabelecida mais para encorajar do que para sufocar o potencial humano. Humboldt é de particular importância aqui, porque forja uma conexão entre traços humanos característicos, um cenário social apropriado e a língua que separa o homem dos animais. Ele também “anseia por uma comunidade de livre associação sem coerção por parte do Estado ou outras instituições autoritárias, na qual os homens livres podem criar, questionar e alcançar o mais alto desenvolvimento de seus poderes”; “muito à frente de seu tempo, [Humboldt] apresenta uma visão anarquista apropriada, talvez, ao estágio seguinte da sociedade industrial” (Chomsky Reader).

Chomsky, de fato, aguarda ansiosamente o dia em que vários fios estejam reunidos dentro da estrutura do socialismo libertário, uma forma social que mal existe hoje em dia, embora seus elementos possam ser percebidos: na garantia dos direitos individuais que alcançou sua mais alta forma – embora ainda tragicamente falha – nas democracias ocidentais; nos kibutzim israelenses; nas experiências com conselhos operários na Iugoslávia; no esforço para despertar a consciência popular e criar um novo envolvimento no processo social, elemento fundamental nas revoluções do Terceiro Mundo, coexistindo apreensivamente com a prática autoritária indefensável”.

Numa linha próxima de Chomsky, o biógrafo deste destaca Bertrand Russel (p. 164 do livro acima):

“Também em 1968, Bertrand Russel falou na Universidade de Nottingham, na Inglaterra, por ocasião do VI Congresso Nacional de Controle Operário. Ele falou da relação entre acontecimentos contemporâneos e ideais socialistas anteriores: “acolho com prazer a crescente importância do movimento pelo controle operário, porque suas exigências vão de encontro ao que sempre entendi por socialismo”.

O livro de Bertrand Russel, “Por que não sou cristão”, é a transcrição de um debate feito na BBC, em 1948, entre Bertrand e o padre jesuíta Copleston (n. e 1907). Na abertura do debate e do livro, Bertrand diz que não é ateu, afirmando “minha posição é agnóstica”. Ele foi um agnóstico com posições próximas da Igreja, de uma democracia social e participativa. Copleston era um jesuíta inglês, tendo lecionado na Universidade de Londres, de 1972 a 1974, tal como em Oxford.

Em suma, as fontes teóricas de Russel são o conjunto de idéias presentes no catolicismo e no socialismo de guilda e são estas as fontes de seu apreço pelo controle operário (do povo) sobre os meios de produção e o Estado. O mesmo ocorre com Noam Chomsky.

Se Chomsky tivesse lido com mais calma os textos de vários anarquistas, veria que mesmo estes não negaram o Estado, queriam apenas uma República descentralizada, respeitosa da posse (da pequena propriedade fundada no trabalho), com amplo cooperativismo etc.

Em uma palavra, queriam uma forma de socialismo com liberdade, com humanismo, o mesmo ideal da Doutrina da Igreja.