Engels, no ensaio “Contribuição para a história do cristianismo primitivo” (texto colhido em “Sobre a religião”, textos de Marx e Engels, Lisboa, Ed. 70, 1975, p. 372), elogiou Bruno Bauer, um teólogo, o grande amigo de Marx no tempo da Universidade de Bonn. Este ensaio de Engels foi uma de suas últimas obras, bem escritas, com quase 75 anos, perto de morrer.
Num parêntese, sim, na Universidade, o maior amigo de Marx era um teólogo, um professor de teologia que ministrava aulas na universidade.
Nos anos de Bonn, Bruno Bauer era ortodoxo, e criticou o livro de Straus, do ponto de vista hegeliano e ortodoxo.
Neste tempo, quando Marx estudou em Bonn (acho que em 1836), Bauer era grande amigo de Marx, que tinha um tio católico. O avô paterno de Marx era rabino e teve vários filhos, um rabino (Samuel, tio de Karx Marx), filhos luteranos (o pai de Kar Marx) e um filho católico, o tio Hirsh, tio católico de Marx. Possivelmente, a herança hebraica era maior em sua formação familiar, mas existia um tio católico e Marx nasceu numa cidade católica, a cidade de Trier (Treves, em francês), numa região católica, a Renânia.
Marx, numa carta, cita “sacerdotes” em sua família, sem especificar se eram rabinos ou padres católicos, ponto que um bom historiador, indo a Treves, deveria poder esclarecer, pois é ponto importante na biografia de Marx.
É bem possível que Bruno Bauer e Marx tenham lido e admirado vários dos livros do padre Jorge Hermes (1775-1831), professor de teologia em Bonn, em Breslau e tem Trèves (a cidade onde Marx nasceu, que era uma cidade praticamente toda católica).
Hermes elaborou uma síntese de catolicismo com os melhores textos de Kant e Fichte e Hermes destacava principalmente o poder da razão humana, um tema muito apreciado por Marx.
Da mesma forma, o padre Ronge, em Treves e na cidade perto de Colônia, expunha um catolicismo popular, bem próximo dos irlandeses. O próprio Marx, no jornal “Gazeta Renana”, comparava os católicos da Renânia aos católicos irlandeses, anti capitalistas, anti imperialistas e populares.
Marx cursou dois semestres onde basicamente a matéria era o livro de “Isaías”.
Antes, Marx estudara numa escola secundária, um Liceu (Ginásio), de 1830 a 1835, dos doze anos aos dezessete anos, na adolescência, que tinha sido antes um colégio jesuíta, um colégio onde quase todos os seus colegas de sala eram seminaristas católicos, sendo um deles o futuro bispo de Trier.
Trier era uma cidade basicamente católica, pois fica no sul da Alemanha, no vale do rio Reno, uma área ligada à França, perto de Luxemburgo, perto da Baviera, uma área católica da Alemanha (mesmo hoje, há mais católicos que luteranos na Alemanha).
No Ginásio-Liceu, havia o túmulo do padre jesuíta Friedrich Speer Langenfeld (1591-1635). O padre Speer Langerfeld foi o principal membro do clero que denunciou os processos contra as feiticeiras, no livro “Cautio criminalis”, 1631. Esta obra foi a responsável pela diminuição dos processos contra “bruxas”, impedindo a queima e a tortura de milhares de mulheres.
Engels elogiou Bruno Bauer porque este teve, como “grande mérito”, na visão de Engels, o exame dos “elementos não só judeus e greco-alexandrinos, mas também gregos e greco-romanos que permitiram ao cristianismo tornar-se uma religião universal” (católico, em grego, significa “universal”, ou seja, que permitiu ao cristianismo torna-se catolicismo, quis dizer Engels).
Segundo Engels, “na formação do cristianismo” houve a influência da “escola de Fílon de Alexandria e a filosofia vulgar greco-romana, platônica e sobretudo estóica”. Correto, na parte humana, está correto.
A análise de Engels está correta sobre os elementos humanos do cristianismo (embora haja outros, como o mitraísmo-masdeísmo etc). O termo “universal”, em grego, é “kathólou”, raiz da palavra “católico”. Católico significa “universal”, “holístico”.
Holístico, de todo, vem de da palavra grega “hólon”, universo, porque “kathólou” (que gerou o termo “católico”) é uma palavra composta, formada de “katá” e “hólou”, uma palavra que é usada para designar algo em relação ao todo, ao universo. No próprio termo “católico” há a idéia de ecumenismo, de abertura.
São Paulo une, em sua pessoa, tal como outros Evangelistas e Apóstolos, e depois Santos Padres, as duas fontes do catolicismo, a tradição dos “sábios fariseus” (ver o livro de Evaristo E. de Miranda e José M. Schorr Malca, “Sábios fariseus”, São Paulo, Ed. Loyola, 2001) e a tradição estóica (já haviam relações entre estóicos e fariseus antes). São Paulo foi criado no maior centro estóico de seu tempo, que era Tarso, a cidade natal de São Paulo.
Como escreveu Daniel-Rops, no livro “São Paulo, conquistador de Cristo” (Porto-Portugal, Livraria Tavares Martins, 1952, páginas 35 e 36):
“A cidade de Tarso era um grandioso centro universitário, “ultrapassando Atenas e Alexandria pelo seu amor das ciências”, dirá Estrabão, o qual acrescenta verem-se intelectuais de Tarso através de todo o Império. Alguns dos Mestres que ensinavam no grande porto ciliano, da Cilícia, haviam desempenhado um papel de primeiro plano: Atenodoro, que fora um dos preceptores de Augusto e que este mandara a Tarso, a fim de reorganizar a vida pública e a administração; Nestor, outro filósofo, que foi igualmente chamado à corte para ali educar Marcelo, o neto do Imperador. As enormes sombras de Zenão de Chipre, de Aratos da Cilícia, de Crisipo, de Apolônio, todos eles estóicos ilustres, pairavam ainda em Tarso, quando da adolescência de Saulo”.
As luzes naturais se multiplicam e ficam claras pelo diálogo. Há duas boas razões para isso: 1ª) o consenso (a universalidade, a generalização de uma proposição) é um dos sinais principais da verdade, pois a imagem que muitos enxergam é, quase sempre, a imagem verdadeira, objetiva; e 2ª) a união faz a força, ou seja, a sociedade multiplica as luzes da razão pessoal, como explicaram Santo Tomás, Bonald e milhares de autores cristãos.