A grande lição democrática do Cardeal Louis Billot, resumindo a lição de Francisco Suarez, o maior tomista da Igreja

O cardeal Louis Billot, jesuíta, foi um dos principais estudiosos dos textos de Suárez. Billot teve o mérito de expor com clareza o pensamento democrático da neo-escolástica (a partir de 1850, mais ou menos). A neo-escolástica, por sua vez, foi baseada na Paídéia e nos textos bíblicos, no melhor do pensamento antigo (especialmente grego-romano), dos Santos Padres e de Santo Tomás.

O Cardeal Billot, segundo consta no livro do padre Jose Llovera (“Tratado de sociologia cristiana”, Editorial Luis Gili, Barcelona, 1959, p. 117), adotava as duas teses centrais (que são as vigas mestras da teoria política e jurídica) expostas por Santo Ambrósio, Santo Isidoro, Santo Tomás, John de Salisbury (1115-1180), Suárez e outros luminares da Igreja:

a) “o direito de determinar a forma de governo e a lei de investidura do poder residem originariamente na comunidade”; e,

b) “o direito de estabelecer uma nova forma de governo e uma nova investidura do poder reside sempre na comunidade, enquanto o exige a necessidade do bem comum”.

Estas teses foram explicitadas com mais clareza por Francisco Suárez e Bellarmino (um dos 33 Doutores da Igreja), que, com vários escolásticos e neoescolásticos, ensinavam a tese da origem divina mediata (e não imediata) da autoridade, do poder. Ensinavam que o poder vem, sim, de Deus, mas Deus atua por mediações, pela mediação do povo. O livro “Sobre o mundo”, atribuído a Aristóteles, mas escrito no início do século II d.C., explica bem a transcendência de Deus, destacando a ação divina por mediações, por motores (causas) segundos. O mediador principal é a natureza, especificamente, a razão humana, presente em todos, logo, a fonte imediata está no próprio povo, na comunidade (na consciência da sociedade, formada pelo enlace das razões pessoais, pelo diálogo).

Deus atua através do povo, mais especificamente, pelas regras (idéias, valores, virtudes) práticas, racionais, sociais (éticas) nascidas da luz natural da consciência (especialmente da razão). As consciências, por sua vez, unem-se pelo diálogo, formando o que se convencionou chamar de consciência social (cf. Durkheim, Hegel, Savigny e outros, embora tenham cometidos equívocos aqui e ali).

Esta consciência social (da comunidade), mesma com erros e névoas (oriundas dos erros, das mentiras, imaginação e paixões desordenadas) orienta o processo histórico-social.

Como está claro no chamado “paradoxo do advogado” (cf. Picard, explicando a importância da advogacia para a Justiça), os debates, nas lides, são formas de diálogo. O diálogo é essencial para o esclarecimento dos fatos e das idéias. Na psicanálise, exaltando as palavras e o diálogo, há a linha de Victor Frankl e de Lacan. Lacan destacou a importância do discurso (cf. bons textos do psicanalista católico, Hélio Pelegrino, em “O espelho quebrado”, 1981).

O objetivo da humanidade – como ensinaram Pascal, Maritain e milhares de bons autores– é obter o controle consciente deste processo, da história, orientando-a rumo à parusia (continuidade da criação e renovação do universo).

Citar Billot é importante, pois este Cardeal foi influenciado pelo nacionalismo (havia uma parte boa neste nacionalismo, pois o nacionalismo é bom, em harmonia com um bom Estado mundial federalista) da Ação Francesa. No entanto, mesmo sob a influência de erros de Maurras e outros, Billot soube resumir bem a teoria tradicional da Igreja sobre o poder, usando as fórmulas de Suárez. Num parêntese, apesar de seus erros grotescos, Maurras também deixou alguns textos bons sobre nacionalismo, a importância da razão e da Paidéia. No final da vida, Maurras arrependeu-se de vários erros graves, abandonou o materialismo e aproximou-se da Igreja.

A condenação da “Ação Francesa”, pela Igreja, em 1926, foi muito importante e correta, tendo o elogio de Gramsci.

A condenação deixou claro que a doutrina da Igreja está em perfeita harmonia com as linhas gerais de uma democracia verdadeira, como foi demonstrado por Maritain, Mounier e o próprio De Gaulle. A condenação abriu caminho a Herriot, e a formação da Frente Popular, pela Democracia popular, na França. 

O general De Gaulle foi um grande católico, que ofereceu dura resistência ao neoliberalismo e ao imperialismo dos EUA, tal como soube liderar a Resistência Francesa, contra o nazismo.

De Gaulle queria a extinção do FMI, da forma como foi organizado, o fim do monopólio do dólar, a extinção do Senado, a descentralização do poder, a participação obrigatória dos trabalhadores na gestão e nos lucros das empresas e outras reformas sociais, um Estado descentralizado, uma Democracia popular, com Estado social e economia mista.

Conclusão: a consciência do povo é a parte mais importante das forças produtivas, da sociedade.

A consciência da sociedade deve reger e adequar racionalmente as relações sociais (inclusive as produtivas) e os recursos ao bem comum, ao bem de todos. A consciência do povo, e de cada pessoa, está encarnada no corpo humano.

Não temos a natureza de anjos, e sim composta, mesclada com a carne (especialmente o cortéx cerebral), o sangue os nervos e ossos, como ensina o hilemorfismo tomista e os textos hebraicos.

No fundo, somos seres espirituais ligados à matéria, ao corpo, que a alma informa, regenera, permeia, vivifica. Fomos feitos para sermos como anjos, com corpos espirituais, imortais, com as qualidades que São Tomás resumiu, como imortalidade, invulnerabilidade, permeabilidade, agilidade, luminosidade etc.