O tomismo é uma corrente pro Democracia popular, economia mista, Estado social

Santo Tomás seguiu as pegadas de Platão, Sófocles, Aristóteles e dos estóicos, no que estes coincidiam com as idéias hebraicas.

Assim, na “Suma Teológica” (1ª parte da 2ª parte, questão CV, solução; São Paulo, Ed. Faculdade “Sedes Sapientiae”, 1954, pp. 550/551, tradução de Alexandre Correia), Santo Tomás escreveu, sobre a importância da participação de todos no poder, ou seja, da difusão do poder:

A respeito da boa constituição… de uma cidade ou nação, duas coisas devemos considerar. Uma, que todos tenham parte no governo [“quorum unum est ut omnes aliquam partem habeant in principatu”]; assim se conserva a paz do povo e todos amam e guardam um tal governo, como diz Aristóteles [cf. “Política”, II, XIV]. A outra é relativa à espécie do regime ou à constituição dos governos”.

A ideia de participação de todos no poder (no governo, no Estado) faz parte do “regime justo”, da reta organização política do poder.

O regime é justo quando o poder está regido de acordo com a lei natural, pautado pelo primado dos direitos humanos naturais. Santo Tomás acrescentava:

… esse governo pertence a todos, quer por poderem os chefes ser escolhidos dentre todos, quer também por serem eleitos por todos [“talis principatus ad omnes pertinet, tum quia ex omnibus eligi possunt, tum quia etiam ab omnibus eliguntur”]. Por onde, essa forma de governo é a melhor, quando combinada”. (…).  E isto foi o que instituiu a lei divina”.

O regime jurídico-político dos hebreus, nos moldes formulados por Moisés, era eletivo e misto, tendo amplos elementos democráticos (“era o povo quem os escolhia: daí dentre vós homens sábios etc”, cf. Santo Tomás e Deuteronômio, 1, 13). No livro “I Reis, 8,7”, Samuel mostra como Deus ficou indignado com o pedido do povo para que tivesse um rei. A instituição de reis foi permitida, com inúmeros limites à autoridade, centenas de anos após Moisés, como uma concessão à fraqueza e Saul e Davi, os primeiros reis, foram eleitos pelo povo.

O ponto mais essencial para aferir o pensamento democrático de Tomás é seu conceito de “lei” de Santo Tomás, baseado no jusnaturalismo.

João XXIII, na “Pacem in terris” (1963), elogia a “doutrina de Santo Tomás de Aquino”, que ensinou que “a lei humana” só tem “valor de lei” quando “está de acordo com a reta razão”, presente em todas as pessoas, ou seja, quando as leis positivas estatais são a expressão da consciência do povo, das pessoas.

A tese jusnaturalista é essencialmente democrática, pois as leis positivas devem ter, como fontes, a “lei natural”, ou seja, as idéias éticas e criativas presentes na consciência do povo, na razão, dispersa entre todas as pessoas.

O conceito de lei positiva (das estruturas políticas e jurídicas), de Santo Tomás, é claro e democrático: a lei positiva legítima é “uma ordenação [regras, ideias práticas] da razão visando ao bem comum, promulgada [publicada] por aquele que tem a seu cargo a comunidade” (“ordinatio rationis ad bonum commune ab eo, qui curam communitatis habet, promulgata”).

Ordenação significa promulgar (no sentido de tornar pública) regras sociais consensuais (universais, gerais), que têm como finalidade o bem comum, o bem de todas as pessoas.

A autoridade apenas promulga (pública, expressa) estas regras, que devem estar de acordo com a “lei natural”, com os planos, projetos, idéias, necessidades, interesses do povo, correlatos ao bem do próprio povo. Vejamos outros textos essenciais da teoria democrática de Santo Tomás:

“A lei é como uma arte para instituir e ordenar a vida humana” (…)

“o príncipe [quem detém, ocupa, o principado, o primeiro lugar, como regente, os agentes públicos] é vigário [faz as vezes, representa a] “multidão livre” (cf. “Suma”, I-II, q. 97, 3, 3), [estando vinculado ao bem da sociedade, ao bem comum].

“a lei, própria, primária e principalmente, diz respeito à ordem para o bem comum [“bonum commune”]. Ora, ordenar para o bem comum é próprio de todo o povo ou de quem governa em lugar dele” [“alicuius gerentis vicem totius multitudinis”] … “e, portanto, legislar pertence a todo o povo [“totam multitudinem”] ou a uma pessoa pública, que tem o cuidado de toda a multidão” [“pertinet ad personam publicam, quae totius multitudinis curam habet”]. (…)

“os domínios e principados humanos não são de direito divino, mas humano” (II,II, q. 10; q. 12, a. 2). (…)

“a lei humana só tem valor de lei na medida em que é conforme a reta razão; e assim se põe de manifesto que deriva da lei eterna. Na medida em que, pelo contrário, uma lei se afasta da razão, se diz lei iníqua: e assim já não tem valor de lei, e se torna antes um ato de violência”. (cf. “Summa theologiae”, I-II, q. 93, a. 3, ad 2um) (…)

“ordenar algo ao bem comum” [que é a finalidade essencial do Estado e da sociedade] “é próprio de toda a multidão ou de algum que a represente” [a concepção do governante como “gerentis”, um administrador, um procurador, um representante]. [o texto em latim é incisivo: “ordinare autem aliquid in bonum commune est totius multitudinis, vel aliquid gerentis vicem totius multitudinis”, cf. consta na “Suma Teológica”, II, I, questão 90, artigo 3º]”. (…)

“… de dois modos pode uma coisa ser justa: por sua própria natureza, e tal é o justo natural; ou por convenção humana, e tal se chama justo positivo” (cf. “Suma Teológica”, II-II, q. 60, a. 5).

Santo Tomás de Aquino defendia o que chamava de “regime justo”, com base nas idéias comunitárias da república comunitária de Moisés, as idéias comunitárias dos “Atos dos Apóstolos”, tal como as idéias comunitárias de Pitágoras, Platão, Aristóteles, dos estóicos etc.

Se São Tomás de Aquino estivesse em carne entre nós, defenderia o Estado social, uma boa economia mista distributiva e social, a Democracia participativa, Popular.