Os “donos” legítimos do poder público (e dos bens) são todas as pessoas, pois todos os bens são destinados a todas as pessoas, como ensina o princípio basilar da destinação universal dos bens.
Frise-se que o termo “dono” significa, na concepção bíblica e religiosa: “administrador”, “controlador”, “gestor”, “pastor”, “cultivador”. Fomos feitos para continuar o processo de criação-melhoria do universo, para co-criarmos, sócios, Filhos de Deus.
Vale a pena ressaltar: a Bíblia considera as pessoas como administradores, como pode ser visto em “Levítico” e também no “Evangelho de São Mateus”, considerando o controle efetivo sobre os bens como algo bom e querido por Deus.
Como ensinou o próprio Deus, em “Genêsis” (1,29), a criação foi destinada às pessoas, para que estas cresçam em número, povoem a terra (cf. as idéias de Soria y Mata) e a controlem (“crescei, multiplica-vos, povoai a terra, controlai a terra”).
A concepção bíblica defende o direito natural das pessoas ao controle dos bens necessários e suficientes para uma vida digna, simples, abundante, feliz.
Este direito natural tem como fundamento o princípio da destinação universal dos bens. Este direito natural não fundamenta o direito de propriedade quiritário e nem formas ditatoriais de poder. Somente fundamenta formas consensuais de controle social dos bens e da vida.
O poder não passa de uma espécie de “bem” e, assim, a teoria do bem comum é a teoria política (e jurídica, econômica, cultural etc) da Igreja, da Bíblia e do melhor da Paidéia (das idéias de Platão, Pitágoras, dos estóicos, de Epicuro, Sêneca, Epíteto, Marco Aurélio e outros).
Como ensinou Leão XIII, na “Rerum novarum” (n. 5, 1891), “Deus deu a terra” (destinou os bens, todos os bens, inclusive o poder) para “toda a totalidade do gênero humano”, para o uso racional e social destes bens, como suporte de uma vida digna e feliz.
O papa Leão XIII foi enfático: “Deus deu a terra em comum” a todos, não tendo “assinalado a ninguém a parte que haveria de possuir, deixando a delimitação das posses privadas à atividade das pessoas e às instituições dos povos”. Em latim, “quos vero terram Deus universo generi hominum utendam, fruendam dederit” e “Deus enim generi hominum donavisse terram in commune dicitur… quia partem nullam cuique assignavit possidendam, industriae [“indústria” no sentido de atividade, trabalho] hominum institutisque populorum permissa privatarum possessionum descriptione”.
A lição de Leão XIII sobre o princípio bíblico e patrístico (e tomista) da destinação universal dos bens vale também para o poder.
Deus não destinou (“assignavit”) especificamente nenhuma parte do Estado a esta ou aquela pessoa ou família.
A distribuição e organização dos bens e dos poderes forem entregues ao trabalho (atividade, criatividade) humana e às instituições humanas, temporais, para serem regidos por regras boas (as virtudes), especialmente pela “justiça”.
A “justiça” é a regra (virtude, no sentido objetivo) que tem com o objeto do “bem comum”, são as regras (ideias práticas) de uma boa organização social, ou seja, que ordena orientar todas as ações humanas para o atendimento do bem comum, do bem de todas as pessoas e da sociedade.
O principal princípio – regras da civilização do amor de Deus – é a destinação universal dos bens: os bens, todos os bens, inclusive o poder, são destinados a todas as pessoas e o critério de distribuição está implícito nesta regra, é o princípio “a cada um de acordo com suas necessidades” (frase bíblica, do “Atos dos Apóstolos”, onde está descrita a comunidade cristã primitiva, ideal), ou seja, os bens são destinados ao atendimento das necessidades de todas às pessoas.
Na terminologia tomista – e antes na platônica, aristotélica e estóica –, as atividades humanas (econômicas, culturais, estatais etc) estão destinadas à garantia e à promoção do bem comum e devem regulamentadas e planificadas para este fim.
Uma boa organização social exige também autonomia pessoal, economia mista, liberdade e justiça, em boa síntese.