A teologia da libertação é a enfatização da ética social já presente na teologia tradicional

O reconhecimento da “liberdade” (do desejo de libertação, de plenificação) das pessoas, especialmente da liberdade política, consta claramente nos textos de Leão XIII. Está patente, também, na prática deste Papa, em seus movimentos de aproximação com a República francesa; tal como na atuação conjunta com Bismarck na gestação de leis sociais na Alemanha.

A Igreja, na França e na Alemanha (e o mesmo ocorreu em todas as partes), se aproximava do melhor do pensamento socialista, pois o melhor do pensamento socialista tem amplas fontes cristãs e hebraicas. 

Leão XIII recomendou a Albert Mun que não criasse um partido católico confessional e, implícito nesta recomendação, havia o apreço e o reconhecimento da liberdade política das pessoas, das nações.

O padre Lamennais (1782-1854), se estivesse vivo, teria gostado muito de Leão XIII, tal como Marc Sangnier teria beijado as mãos de João XXIII e abraçado os teólogos da libertação.

Antes de Marx, Lamennais descreveu a escravidão atual dos trabalhadores, com as seguintes palavras:

o capitalista e o proletário têm, entre si, efetivamente, as mesmas relações existentes entre o senhor e o escravo das sociedades antigas.

O que é o escravo perante o senhor? Um instrumento de trabalho, uma parte e a mais preciosa de sua propriedade… e o que é o proletário em vista do capitalismo? Um instrumento de trabalho. Livre no direito atual, legalmente livre em sua pessoa, ele não é realmente a propriedade vendável ou comprável de quem o emprega. Mas esta liberdade é fictícia. O corpo não é escravo, mas a vontade o é. (…) As cadeias do escravo moderno são a fome”.

Por estes e outros textos, Tolstoi amava Lamennais, tal como amava os textos cristãos socialistas de Ruskin, de Dickens e outros grandes luminares. 

Alceu e o Episcopado latino-americano seguiram a linha de Leão XIII. Por isso, Alceu nunca apreciou a ideia de um partido católico, confessional. Foi esta a linha do Cardeal Leme sobre a LEC, que dava continuidade às idéias do padre Júlio Maria, de Dom Vital e de Dom Antônio Costa (vide a Pastoral conjunta dos bispos após a instauração da República). Mesmo o Partido Democrata Cristão era um partido secular, não confessional.

A lição do padre Júlio Maria, de Dom Hélder e da CNBB é clara: os leigos cristãos, como todas as pessoas, têm o dever de participarem ativamente da vida política (e econômica, cultural etc) de suas comunidades, difundindo os ideais (idéias) cristãos e humanas sobre justiça e liberdade. 

Ideais de justiça e liberdade são uma expressão para algo mais concreto, o ideal concreto dos católicos, ideais de Democracia social-popular participativa, de economia mista, de distributismo, de cooperativismo, de boas estatais etc.

A militância pode ser feita em todos os partidos políticos que não tiverem idéias programáticas contrárias à ética, ao bem comum.

Partidos neoliberais ou que defendam formas autoritárias de socialismo não são recomendáveis, pois são traições ao povo, aos trabalhadores.

A atuação política deve ser (em regra) pacífica, usando a pressão moral libertadora (o diálogo, a resistência pacífica), nas palavras de Dom Hélder. A atuação deve ser, por inculturação, por dentro, como agem o sal, o fermento ou as sementes (cf. lições bíblicas).

A Pastoral de Dom Sebastião Leme, de 1916, tem pontos ainda atuais e preparou a formação do getulismo, do trabalhismo, do nacionalismo, os grandes ideais de Getúlio Vargas.

Na mesma linha há os grandes textos, ainda atuais, do padre Júlio Maria, que partem da ligação intrínseca entre povo e Igreja, que, no fundo, exprime a ligação entre povo e Deus. O padre Comblin escreveu bons textos sobre esta ligação, que é sintetizada no ditado “a voz do povo é a voz de Deus”.

Dom Hélder, especialmente após 1934, deu continuidade a esta linha da Igreja como fermento numa massa, como conscientizadora. Estas matrizes geraram a teologia da libertação, que tem conteúdos novos, mas com raízes antiqüíssimas. Trata-se da mesma seiva que inspirava Abraão, Israel, José do Egito, Moisés, Davi, Judite, Isaías, Jeremias, os Macabeus, Maria, Cristo, os Apóstolos, os Mártires, os Santos Padres, Santo Tomás de Aquino e outros, como veremos neste blog, em outras postagens. 

Leonardo Boff, num artigo publicado na revista “Rainha” (em 19.12.1984), ensinou corretamente: “a teologia da libertação não quer ser uma alternativa da teologia tradicional”, e sim “acentuar aqueles elementos que já se encontram na teologia tradicional, porém não foram ainda enfatizados e explicitados na sua dimensão social, política, estrutural”.