O jusnaturalismo religioso de Conan Doyle e de Sherlock Holmes

Conan Doyle, filho de uma católica, em várias estórias de Sherlock Holmes, mostra como o bom detetive, quando posto num dilema entre a ética e a lei positiva iníqua, ficava com a ética social.

Por exemplo, no caso de “Charles Augustus Milverton” (colhido do livro “Sherlock Holmes”, vol. III, Rio de Janeiro, Ed. Zahar, 2005, p. 229 e seguintes), Holmes enfrenta um chantagista tão odioso que Holmes o considera o “pior homem de Londres”. Diante da chantagem de Milverton que se preparava para destruir a vida de uma mulher, Holmes diz: “Mas que noite esplêndida, esta!”. Watson responde: “Está gostando do tempo? Convém aos meus objetivos, Watson. Pretendo arrombar a casa de Milverton esta noite”.

Watson se espanta, pois percebe “num relance todas as possíveis conseqüências de uma ação como essa – a descoberta, a captura, a carreira honrada terminando em irreparável fracasso e desgraça, meu amigo ficando ele próprio à mercê do odioso Milverton”. Então, Holmes diz:

Meu caro companheiro, já refleti muito. Nunca sou imprudente em minhas ações, nem adotaria uma linha de ação tão ousada e realmente tão perigosa se qualquer outra fosse possível. Examinemos a questão de maneira clara e direta. Suponho que voce admitirá que a ação é moralmente justificável, embora tecnicamente criminosa”. (…)

Sim”, respondi, “é moralmente justificável contanto que tenhamos por objetivo nos apoderar exclusivamente do que é usado para fins ilegais”.

Exatamente. Como é moralmente justificável, preciso considerar apenas a questão do risco pessoal. Mas, com certeza, um cavalheiro não deve dar muita ênfase a isso, quando uma dama precisa desesperadamente de sua ajuda, não é?”

Voce ficará numa posição muito incorreta”.

Bem, isso é parte do risco. Não há outra maneira possível de recuperar essas cartas. A infeliz dama não tem o dinheiro…”.

No final, outra mulher, destruída pelo chantagista, mata Milverton, diante de Holmes. Quando Lestrade, da Scotland Yard, procura sua ajuda, este lhe responde: “lamento não poder ajudá-lo, Lestrade”, neste caso, minha “comiseração” está com as vítimas de Milverton.

Na estória “A granja da abadia” (pp. 371 e seguidas), Holmes também protege o capitão Croker, que matou, numa luta justa um espancador de mulheres. O final da estória merece transcrição, pois expressa a mesma tese deste blog:

Vox populi, vox Dei. Está absolvido, capitão Croker. Enquanto a Justiça não encontrar alguma outra vítima, o senhor está livre de mim. Volte para essa dama dentro de um ano, e possam o futuro dela e o seu justificar o veredicto que pronunciamos esta noite!”.

Conclusão: a consciência (as idéias do bem comum) está acima do Estado, das leis positivas. É claro que, quando o Estado e as leis positivas incorporam (encarnam), em seu conteúdo, as normas éticas presentes na consciência do povo, então, o Estado e suas leis devem ser respeitados e pelo próprio ditame da consciência, como explicaram São Paulo e Cristo.