Alceu Amoroso Lima, o maior leigo da Igreja no século XX, comentou praticamente todas as Encíclicas e grandes textos papais, de 1931, até sua morte.
Alceu escreveu o livro “Comentários à Populorum progressio” (Petrópolis, Ed. Vozes, 1969, p. 78), onde trata sobre “o Estado e a economia”. Vou resumir este capítulo, pelas lições importantes.
Alceu mostra que, “na maioria dos países de todos os continentes” ocorre a “socialização do capitalismo e a capitalização do socialismo”, a formação de um “regime misto”, de economia mista. Diz que este “regime misto”, economia mista, não seria do “tipo uniforme”, e sim variado, pelas circunstâncias de cada país, “tipos diferentes”, “ora de primazia socialista” ou de “primazia capitalista”.
Alceu mostra que “programas e planificações” (termos de Paulo VI, na “Populorum progressio”), “como a palavra dirigismo”, são comuns no mundo todo, e devem existir. Então, o normal é o Estado atuar, ter estatais, ter planos, programas sociais etc, para difundir bens entre o povo. Enfim, Economia mista, democracia popular, dirigismo, distributismo, as linhas básicas dos textos de Alceu.
Alceu lembra que o Brasil adotou formas de planificação e vasta intervenção estatal mesmo antes da Rússia ou do México, pois houve o “Convênio de Taubaté”, em 1906, “uma política de intervenção direta do Estado na fixação de preços”, na compra de café, uma “manifestação de protecionismo estatal”. Vou comentar o “Convênio de Taubaté”, numa outra postagem. Foi uma ampla intervenção em prol de fazendeiros, também beneficiou pequenos e médios produtores, mas o correto seria se fosse ampla intervenção estatal a favor dos trabalhadores, dos pequenos produtores (camponeses, pequenos burgueses, artesões, técnicos, intelectuais, pequenos e médios funcionários e empregados etc).
Alceu destaca que a política brasileira de “valorização” do café, de intervenção estatal, foi tão vasta que até mesmo gerou uma palavra na língua inglesa, pois “o termo [palavra] era tão novo em economia, que foi registrado pelo Webster [Dicionário renomado da língua inglesa], como um neologismo de origem portuguesa [brasileira]: valorization!”. O Brasil gerou uma palavra importante, de intervencionismo, de socialismo. O Brasil foi precursor da OPEP. E olhem que a OPEP é um modelo de valorização das “commodities” do terceiro mundo, coisa muito boa.
Alceu mostra que esta ampla intervenção estatal ocorreu por causa de nossas tradições de “economia mercantilista”, onde o Estado tinha ampla intervenção. Alceu poderia ter lembrado de Rui Barbosa, na política de industrialização adotada, quando foi Ministro da Fazenda. E lembro que Alceu foi sempre apologista do velho Rui Barbosa, que foi amplamente elogiado por João Mangabeira, num excelente livro.
Rui Barbosa, em suas campanhas a presidente, defendeu a Doutrina social da Igreja, defendendo a “Democracia social”, na linha do Cardeal Mercier. Rui Barbosa foi apoiado nas campanhas pelo jovem Alceu Amoroso Lima.
Alceu ensina, como eu faço, que o “socialismo” “é a moderna encarnação do mercantilismo renascentista”. Eu poderia lembrar a Alceu que o mercantilismo nasceu antes, lá por 1300, na Inglaterra católica, sendo algo anterior ao renascimento, como destacou Max Weber, na “História da economia”, ou mesmo Engels, num texto pequenino em 1842, onde Engels lembra que o mercantilismo existe na Inglaterra há 300 ou 400 anos e Engels escrevia em 1842. Ou seja, aponta 1400. E Max Weber apontava 1340 d.C. De fato, é bem mais antigo, ponto que vou mostrar em outras postagens.
A intervenção estatal na economia é a coisa mais tradicional que existe, sendo mais velha que a Sé de Braga.
Alceu demonstra, assim, que planificação estatal, controle de preços, estatais, intervenção do Estado, tudo isso são coisas antigas, tradicionais. O socialismo apenas trouxe de volta coisas que já havia bem antes.
Alceu mostra que “separar capitalismo e socialismo como compartimentos estanques” é um erro, pois eles se interpenetram, em formas mistas, no mundo todo, em formas de economia mista, que existem no mundo todo. No mundo todo, há economia de mercado e há estatais, formas de intervenção do Estado, de planificação, em graus diferentes.
Alceu deixa claro que a tendência mundial é o aumento da intervenção estatal, o “papel preponderante dos Poderes Públicos”, “textualmente recomendado pela Encíclica”.
No mundo todo, escreveu Alceu, em 1969, “a evolução moderna das sociedades humanas” exige que “o Poder Público tenha uma ação coordenadora direta e efetiva no jogo das forças econômicas, de caráter cada vez mais complexo e imperativo”.
“Planejamento e dirigismo” são coisas boas. Claro que há “a necessidade de limites, dos pesos e medidas, dos equilíbrios, dos sim-mas, que há de eternamente caracterizar a procura do bem estar social, do progresso dos povos, em suma, do desenvolvimento, como hoje se diz”.
Alceu elogia o papel do “Estado”, como “gerente do bem comum”.
Alceu critica os “fisiocratas do século XVIII” por terem gerado o erro de repudiarem a intervenção do “Estado” na “vida econômica”, que era algo comum, no mundo antigo, na Idade Média e no mercantilismo cameralista. Lembro que Mably, Diderot, até Voltaire, Galiani, Necker e outros criticaram os erros da fisiocracia. Na mesma linha, os socialistas cristãos, apologistas do cameralismo, do melhor do mercantilismo (vide Schaffle, Adolf Wagner e outros).
Alceu explica que a doutrina da Igreja é realista. Ou seja, defende economia mista, intervenção do Estado, junto com difusão de bens pequenos e médios, erradicando a miséria e as grandes fortunas privadas etc.
Alceu sempre recomendou Democracia popular participativa, um Estado social, uma economia equilibrada, com MEDIANIA, IGUALDADE SOCIAL. Por estas e outras, Alceu foi elogiado pelo “Pasquim”, pouco antes de morrer.
Alceu morreu como socialista católico, o mesmo para Pontes de Miranda, Barbosa Lima Sobrinho e mesmo Getúlio Vargas, trabalhista e socialista (basta ler os textos da candidatura de Getúlio em 1950, ou seus discursos de 01 de Maio, onde sempre anunciava novos direitos sociais). Brizola, João Goulart e Darcy Ribeiro (vide o livro “Aos trancos e barrancos”, de Darcy, com altos elogios a Getúlio Vargas).