Bispos católicos do mundo todo lutam pela Democracia popular participativa, economia mista

Os Bispos do Peru apoiaram os esforços do General Velasco Alvarado, um nacionalista elogiado por Neiva Moreira, Eric Hobsbawm, Emir Sader e outros. Os bispos peruanos queriam e querem implantar um socialismo participativo, baseado na idéias de comunidade, de comunhão. Estes bispos enviaram para o Sínodo Romano (uma reunião mundial de Bispos em Roma) um documento onde escreveram: “… por isto tantos cristãos hoje em dia reconhecem nas correntes socialistas um número de aspirações que levam dentro de si mesmos em nome da fé”.

O livro de Neiva Moreira, “Modelo peruano” (Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 1975), descreveu o modelo de democracia popular participativa e de propriedade social, que o general Velasco defendeu, com o apoio dos bispos peruanos. Propriedade social é pequena e média propriedade familiar, cooperativas, boas estatais, tudo numa boa síntese de economia mista, sem miséria e sem grandes fortunas privadas, com planificação do Estado, que apoia a difusão de bens, para todos. 

É a mesma linha dos bispos do Paraguai (basta ver Lugo), tal como a maior parte dos bispos brasileiros, chilenos, venezuelanos, da Nicarágua, das Antilhas e de vários outros países. O receituário da CNBB segue a linha de uma democracia popular participativa avançada socialmente, uma forma de socialismo participativo, distributista e humanista (cf. Marciano Vidal, Alceu Amoroso Lima e os teólogos da libertação).

A democracia popular participativa e social é, também, no fundo, a base teórica do movimento zapatista. Na Argentina, os católicos continuam a linha dos montoneros, na esquerda do peronismo e em outros partidos. No Uruguai, os leigos católicos militam na Frente Ampla. Na Colômbia, há padres que militam inclusive nas FARCs, como prova o padre Francisco Cadenas Collazos e o Exército de Libertação foi, por anos, dirigido por um padre. Na Venezuela, no Equador e na Bolívia, apóiam os governos populares e nacionalistas. Na Espanha, Portugal, França, Itália e em toda a Europa os leigos católicos militam em partidos socialistas.

Os Bispos ingleses, da Nova Zelândia, da Austrália, dos países escandinavos, do leste europeu, da África, do Canadá e de outros países também aprovaram formas cristãs de socialismo democrático, especialmente na forma do trabalhismo, uma forma bastante embebida em idéias religiosas.

Harold Laski, um dos lideres do trabalhismo, no livro “El problema de la soberania” (Buenos Aires, Ed. Siglo Veinte,1947, p. 100), descreveu como os católicos foram aceitos na Inglaterra e no Partido Trabalhista:

os ingleses descobriram que a linhagem dos católicos tinha virtudes parecidas com eles mesmos. A reputação de estadistas como Montalembert [citado por Marx], a história de pensadores como Schlegel [Karl Wilhelm Friedrich von Schlegel, 1772-1829] e, desde 1846, o decantado liberalismo de Pio IX, por um lado e, por outro, sobretudo, a influência do Movimento de Oxford e a destreza diplomática do cardeal Wiseman, aumentaram o prestígio de sua situação. As pessoas começaram a ouvir com assombro, dos lábios de O´Connell, que a Igreja católica sempre havia estado junto da democracia”.

Da mesma forma, os Bispos italianos aprovaram coligações com Partidos socialistas e comunistas na Itália, tendo o aval, autorização, de João XXIII e, depois, de Paulo VI.

Aldo Moro, deputado amigo de Paulo VI, destacou-se neste sentido. Até mesmo Amintore Fanfani, mais conservador, defendia coligações com os socialistas. Num desdobramento destes movimentos, Enrico Berlinguer propôs, em 1977, um aprofundamento do diálogo entre comunistas e católicos (no PCI, esta era a linha de estrelas como Togliatti, Gramsci, Luigi Longo e Berlinguer), o que gerou o Partido Margarita, hoje, o Partido Democrático, da Itália. O mesmo ocorreu na França.

As idéias de uma democracia participativa do general De Gaulle foram essenciais para que a França resistisse à onda neoliberal dos anos 80 e 90, no século XX. Os textos da Conferência Episcopal francesa seguiram esta mesma linha. O mesmo fato ocorreu nos países africanos, na Oceania, nas Américas e na Ásia. Na Oceania, quase 30% são católicos, num continente com 8,5 quilômetros quadrados, pouco menor que o território do Brasil. Em 1998, houve um Sínodo dos Bispos católicos na Oceania, com teses praticamente trabalhistas, em prol de uma Democracia Popular.

A Igreja cresceu exponencialmente nos países africanos (mais de treze por cento dos africanos são católicos) na medida em que houve a descolonização. Isso ocorreu em harmonia com formas de socialismo africano, especialmente na Tanzânia, Senegal, Moçambique, Mauritânia, no Congo e em outros países e em boa harmonia com o catolicismo.

Nos países árabes ou influenciados pelo islamismo, o socialismo foi adotado na forma de socialismos religiosos, em boa harmonia com as idéias populares e religiosas. Basta ver o caso da Líbia, do Egito (o socialismo nasseriano tem um fundo religioso), do Irã (após a revolução de 1979), do Iraque (o socialismo iraquiano é ligado ao de Nasser), da Indonésia e em outros países.

No Irã, houve também a personalidade de Mohamed Mossadegh (1881-1967), primeiro-ministro do Irã, que nacionalizou o petróleo em 1951, em bom coro com Getúlio Vargas, criador da Petrobrás. Mossadegh chorava em público e nos discursos à nação. Lutou pela independência econômica e política do Irã, numa linha parecida como Perón, Nasser e Getúlio. Foi deposto pela CIA, em 1953, tal como Getúlio, levado ao suicídio em 1954. Mossadegh era um jurista formado na França e na Suiça. Era também nacionalista, democrata e religioso, tendo redigido obras sobre direito constitucional, processo civil, direito financeiro e outras boas obras. O velho Mossadegh fundou a Frente Nacional em 1949, foi Primeiro Ministro em 1951 e foi preso pelo Xá, em 1953, a pedido da CIA. A mesma CIA que derrubou Getúlio, Perón e fazia intervenção na Guatemala, também combatendo Nasser, no Egito.

Os Bispos portugueses e espanhóis participaram da derrubada das ditaduras de Salazar e Franco. Eles elaboraram, na década de 70, documentos favoráveis a formas democráticas de socialismo. Boa parte da Constituição de Portugal, de 1974, uma das melhores do mundo, foi de autoria de Jorge Miranda, um grande jurista ligado à Igreja. Jorge Miranda também esposa uma forma de socialismo democrático, bem próxima aos textos de Canotilho.

O Episcopado de Portugal, em 1974, numa carta pastoral, escreveu: “nem todos os socialismos que hoje correm pelo mundo estão dominados por ideologias inaceitáveis para um cristão”. É necessário um “esforço de discernimento” (n. 50), para, conforme disse Paulo VI, “estabelecer o grau de compromisso possível esta causa, salvaguardados os valores, principalmente da liberdade, da responsabilidade e da abertura ao espiritual, que garante o desabrochar integral do homem”. Na Espanha, os católicos mais preparados militam no PSOE, que realizou uma boa abertura à Igreja. O mesmo ocorre na França, no Partido Socialista.

No Brasil, há dezenas de Bispos e Arcebispos que escreveram livros ou artigos favoráveis a formas de socialismo com democracia e distributismo e centenas de escritores católicos que defenderam o mesmo, como Alceu, Domingos Velasco, Plínio de Arruda Sampaio, Francisco Whitaker, Frei Betto e outros.