A grande lição de Leão XIII – Deus destinou os bens para todas as pessoas

A concepção bíblica, judaica e católica, defende o direito natural das pessoas ao controle, fruição, uso, até apropriação pequena, dos bens necessários e suficientes para uma vida digna, plena, abundante.

Este direito natural tem como fundamento o princípio da destinação universal dos bens.

Este direito natural não fundamenta (legitima) o direito de propriedade quitário e nem formas ditadoriais de poder, no entanto, fundamenta formas consensuais de controle social dos bens e da vida.

O poder não passa de uma espécie de “bem” e, assim, a teoria do bem comum é a teoria política (e jurídica, econômica, cultural etc) da Igreja, da Bíblia e do melhor da Paidéia (das idéias de Platão, Pitágoras, dos estóicos, de Epicuro, Sêneca, Epíteto, Marco Aurélio e outros).

O poder foi feito para todos, para ser quebrado, fatiado como uma linguiça, para que cada pessoa tenha uma fração do poder, tal como uma quota-parte dos bens, feitos por Deus, para todos. 

Como ensinou Leão XIII, na “Rerum novarum” (n. 13, 1891), “Deus deu a terra” (destinou os bens, todos os bens, inclusive o poder) para “toda a totalidade do gênero humano”, para o uso racional e social destes bens, como suporte de uma vida digna e feliz.

O papa Leão XIII foi enfático: “Deus deu a terra em comum” a todos, não tendo “assinalado a ninguém a parte que haveria de possuir, deixando a delimitação das posses privadas à atividade das pessoas e às instituições dos povos”.

Em latim, “quos vero terram Deus universo generi hominum utendam, fruendam dederit” e “Deus enim generi hominum donavisse terram in commune dicitur… quia partem nullam cuique assignavit possidendam, industriae [“indústria” no sentido de atividade, trabalho] hominum institutisque populorum permissa privatarum possessionum descriptione”.

A lição de Leão XIII sobre o princípio bíblico e patrístico (e tomista) da destinação universal dos bens vale também para o poder.

Deus não destinou (“assignavit”) especificamente nenhuma parte do Estado a esta ou aquela pessoa ou família.

A distribuição e organização dos bens e dos poderes forem entregues ao trabalho (atividade, criatividade) humana e às instituições humanas, temporais, para serem regidos por regras boas (as virtudes), especialmente pela “justiça”.

A “justiça” é a regra (virtude, no sentido objetivo) que tem como objeto (razão de ser, finalidade, objetivo) o “bem comum”.

Justiça são ideias práticas das pessoas, para ordenar, organizar, orientar, planejar, todas as ações humanas para o atendimento do bem comum, do bem de todas as pessoas e da sociedade.

A caridade (amor, misericórdia) vai além da justiça, passando pela justiça, exigindo mais, mais cuidados com o próximo, especialmente com os que mais sofrem. Justiça e amor se completam, sendo o amor maior, pois tem, em si, a justiça. Não há amor sem justiça. 

O principal princípio – regras da civilização do amor de Deus – é a destinação universal dos bens: os bens, todos os bens, inclusive o poder, são destinados a todas as pessoas e o critério de distribuição está implícito nesta regra, é o princípio “a cada um de acordo com suas necessidades”, ou seja, os bens são destinados ao atendimento das necessidades de todas às pessoas.

Na terminologia tomista – e antes na platônica, aristotélica e estóica –, as atividades humanas (econômicas, culturais, estatais etc) estão destinadas à garantia e à promoção do bem comum e devem regulamentadas e planificadas para este fim. Esta é a regra número um da ética social, da religião, do Direito. O coração da ética, o coração de Deus.