Stuart Mill e Harold Joseph Laski, dois autores bem próximos da doutrina social da Igreja, em prol democracia popular

Harold Joseph Laski (1893-1950) era descendente de família hebraica muito operosa. Ele foi um dos grandes teóricos do Partido Trabalhista inglês e da Sociedade Fabiana.

Laski seguia o utilitarismo social de John Stuart Mill, que é baseado na idéia de utilidade social, a mesma base ética de Cícero, Platão e da Bíblia. No fundo, a utilidade social não passa de outro nome para antiga idéia de bem comum ou interesse social.

Stuart Mill era um democrata avançado, aceitando pontos do socialismo democrático e baseava suas idéias no melhor do pensamento hebraico e cristão, pois era teísta e também feminista, por causa de sua esposa, ponto que muito dignifica Stuart Mill. Mill defendia economia mista, no que estava correto. Laski dirigiu o Partido Trabalhista de 1945 a 1946. A direção do Partido Trabalhista Inglês é tradicionalmente feita por políticos cristãos, como Clement Attlee, McDonald e outros.

Laski elogiou os jesuítas, com as seguintes palavras: “o novo humanismo dos tratados teológicos, mais notadamente nas grandes compilações jesuítas” (cf. p. 89, do livro de Laski, “O liberalismo inglês”, São Paulo, Ed. Mestre Jou, 1973, tradução da obra que foi editada na Inglaterra em 1936). Vejamos o elogio da linha democrática no catolicismo:

“como homens de experiência, esforçaram-se por salvar o que podiam do que era melhor na antiga doutrina, fazendo concessões em todos os pontos que, no juízo deles, não punham em perigo o essencial. A obra de Bellarmino e Suárez, de Lessius e de Lugo é notável, sobretudo, pelo seu vigoroso empenho em encontrar a base de uma sociedade secular em que se pudesse chegar a um compromisso entre as pretensões da Igreja e do Estado” (p. 89).

Laski constatou que os textos de Suárez e de Vitória são fontes importantes da democracia:

“os princípios morais, como na nobilíssima obra de Francisco de Vitória, deram sua contribuição. Registra-se uma fonte de racionalismo moral, eclesiástico em seus propósitos, mas que só parcialmente o foi em seu método, que teve sua origem em Francisco Suárez e nos grandes jesuítas da Contra-Reforma” (p. 38).

O erro do texto foi o ponto sobre a “origem”. As idéias democráticas não brotaram “ex nihilo” (do nada), pois têm fontes bem mais antigas, na Bíblia e na Paidéia (difusa no mundo). Somente durante a Idade Média, houve também expoentes como John de Salisbury (“Policraticus” 4,1), tal como os textos da Carta Magna, os forais das comunas, a vida política das cidades medievais, as estruturas eclesiais e religiosas, as estruturas das universidades medievais etc.

Também houve outros marcos: os textos de Roger Bacon (1214-1294), Santo Tomás de Aquino (na “Suma Teológica”, Ia IIae, q. 90, a. 3; IIa IIae, q. 57, a. 2), Bartolo de Sassoferrato (1313-1357), Marsílio de Pádua (no livro “O defensor da paz”, 1324), Guilherme de Occam, Jean Gerson (1363-1429), Nicolau de Cusa (1407-1464, no livro “De concordantia catholica”, 1433) e outros partidários da teoria do consentimento. O cardeal de Cusa ensinava que o consentimento racional é a base da obrigação política, pois os seres humanos são livres e iguais por natureza, por isso, os governos devem emergir da sociedade pelo consentimento.

Na mesma linha, homens como Jean Gerson (ou Jean Charlier), Chanceler da Universidade de Paris, em obras como “Teologia mística”, mostravam como mesmo o conhecimento místico de Deus não prescinde do uso da lógica e dos meios naturais de obter a verdade. Santo Inácio de Loyola ensinou o mesmo ponto: no cerne das orações, das discussões com Deus sobre nossas grandes angústias e problemas (de nossas vidas, famílias, bairros, cidades, países etc) a pessoa deve usar a luz natural da razão, pois o exercício ativo da razão ocorre mesmo nos êxtases e na contemplação mais profunda.

Deus, mediante o movimento natural das consciências (das inteligências), deu a todas as pessoas a possibilidade de encontrarem, por si mesmas (pela luz natural da razão, que é sempre banhada pela graça), a noção do certo e do errado. Deus planejou a pessoa para que esta se mova à luz (regras racionais) da razão, para dirigir a própria vida (no prisma pessoal, familiar e social). Logo, quando as pessoas formam uma sociedade (famílias, vilas, bairros, cidades, grupos de amigo, regiões, países e a sociedade mundial), devem, pelo diálogo, estabelecerem, consensualmente, leis (regras) positivas para se autogovernarem, limitando a liberdade natural para ampliá-la, combinando o bem das pessoas com o das sociedades, com o bem comum.

Esta doutrina é a mesma ensinada por Protágoras, Sófocles, Platão, Aristóteles, os estóicos (especialmente Cleantes, autor do coração do jovem Marx), Cícero (ver “Leis” e “República”), Varrão (muito estimado por Santo Agostinho), Posidônio e outros pensadores.

Até mesmo as Ordenações Filipinas, no Livro IV, título 42, ensinavam que “a liberdade é de direito natural e, portanto, o cativeiro é contra a razão natural”. O cativeiro, a escravidão, a opressão, a tirania são coisas diabólicas, pois é próprio de Satanás tentar suprimir a liberdade (por tentações, assédios, obsessão, possessão e escravidão). A Bíblia é claríssima: a ação divina é redentora, salvadora, libertadora, amorosa e assim deve ser a ação estatal.

O Cardeal Billot era bem sintético: “o poder… deriva originariamente do consentimento da comunidade”, pois “o poder constituinte reside sempre na comunidade”, sendo “regulado e limitado em seu exercício pela necessidade do bem comum”. Ele acrescentava: o povo tem o direito de “estabelecer uma nova forma de governo e uma nova lei de investidura do poder”, tendo o direito de legislar, de acordo com os ditames (“lei natural”, regras oriundas do movimento da inteligência) da consciência de todas as pessoas.

O cardeal Billot, no livro “Tratado sobre a Igreja de Cristo” (Roma, 1921, p. 492), expôs corretamente a teoria da translação (também chamada da transmissão), demonstrando que Deus age mediante o povo, tal como age natureza mediante as leis da natureza (leis físicas, químicas etc). Esta mesma teoria foi defendida por outros grandes autores como os padres Llovera e Cavallera (no livro “Doctrine sociale catholica”, 1937).

O cardeal Manning, em várias obras (por exemplo, “Os decretos do Vaticano”, 1875), também expôs a teoria tradicional da translação. Sobre Manning, o “Cardeal dos pobres”, uma boa síntese é o elogio de Eça de Queiroz na crônica “Um santo moderno”. Eça proclamou a santidade deste cardeal que atuava como “um tribuno” e “um reformador”, sendo uma síntese de “São Paulo e Karl Marx”, “simultaneamente ultramontano e democrático”.

Nas palavras de Eça (que se converteu no final da vida), Manning achava que o catolicismo “devia, na sua idéia, ser a definitiva redenção dos operários, os modernos escravos do industrialismo”. Manning apoiou a greve dos dockers ou carregedores no porto de Londres. A greve durou meses, de julho a novembro de 1889, com a adesão de cerca de 250.000 trabalhadores, paralisando parte do comércio internacional inglês. Manning os apoiou e estes conquistaram uma grande vitória com o apoio deste cardeal já octogenário.

Rommen, Mausbach, Castelain, o padre Costa-Rosetti (ver “Philosophia moralis”, 1886; e “Tratado de direito natural”, 1883), Ferret e Tischleder demonstraram que Leão XIII rejeitou apenas uma formulação específica da teoria da translação. Esta formulação foi feita com base na crítica de textos ambíguos de Rousseau, mesclado com erros voluntaristas, sem a vinculação dos atos da vontade aos atos da inteligência. No mesmo sentido, o abade Bautain (“A religião e a liberdade”, 1865); o Cônego Moulart (“A Igreja e o Estado”, Louvain, 1879); Ozanam (“Do progresso pelo cristianismo”); Jouffroy (“Curso de direito natural”; e outros.

Rousseau deixou textos jusnaturalistas perfeitamente aceitáveis, mas, infelizmente, também redigiu textos voluntaristas e contratualistas onde as pessoas cederiam todos seus direitos (liberdades) ao Estado. Foi esta parte estragada (voluntarista, irracional) que Leão XIII criticou, pois Leão XIII fundamentava a autoridade no jusnaturalismo, ou seja, no conteúdo da inteligência de Deus, que é (como destacou Leibnitz) acessível às nossas consciências pelo movimento natural destas.

Leão XIII deixou claro que os titulares (os revestidos da autoridade, os que a exercem) do poder podiam ser escolhidos pelo povo, mas com esta designação não ficavam com um poder ilimitado, pois teriam que exercer este poder para prover o bem comum, o bem do povo, da sociedade.

Conclusão: os titulares de cargos e de direitos subjetivos particulares e públicos estão vinculados, eticamente e juridicamente, ao conteúdo normativo presente na consciência ética e jurídica do povo. Estão vinculados ao primado da sociedade e sob cada direito subjetivo pesa uma hipoteca social, ou seja, há deveres sociais (funções, obrigações sociais) que, se não forem cumpridos, podem ensejar inclusive a perda destes direitos, da titularidade destes direitos.

Neste ponto, Comte, no “Catecismo positivista”, apontou corretamente, na mesma linha que o catolicismo, que os “deveres” sociais correspondem a “funções” (finalidades, fins) sociais. O ordenamento jurídico positivo e as instituições positivas (especialmente o Estado) estão vinculados ao primado do bem comum, aos direitos humanos (naturais).

Os direitos naturais são decorrentes, partes das exigências do bem comum. São as necessidades das pessoas, seus interesses legítimos racionais, naturais. O Estado deve tutelar e promover o bem comum, de todos (os direitos humanos de todos), pois é para isso que o Estado existe e foi criado, de forma humana, pelas pessoas.