O utilitarismo jusnaturalista de Harold Laski, boa base teórica para democracia popular

O utilitarismo jusnaturalista de Harold Laski e os pontos comuns com a doutrina da Igreja

Harold Laski foi um grande jurista inglês, um das maiores lideranças do Partido Trabalhista, partido que é inspirado principalmente no socialismo cristão e hebraico, no trabalhismo. Laski defendeu uma concepção de jusnaturalismo calcado no utilitarismo jurídico socialista (frise-se que a utilidade social é parte essencial do bem comum). Seus livros foram bem apreciados por muitos pensadores ligados à Igreja. Obras como “Pensamento político de Locke a Bentham” (1920) e outras foram e são fundamentais.

Alceu, no livro “O problema do trabalho” (Rio, Ed. Agir, 1947, p. 136), elogiava Laski, com as seguintes palavras:

“o socialismo–dominante na Inglaterra, e representado pelas idéias de Harold Laski e por um grande movimento partidário em toda a Europa continental–é o partido das nacionalizações econômicas e da democracia trabalhista dirigida pelo Estado. Cada vez mais se acentua nele o predomínio das preocupações econômico-políticas, com a plena liberdade de filosofia e religião. É talvez o mais importante dos partidos políticos do após-guerra, na Europa. E o de mais futuro, pois está tendo cada vez mais a inteligência de não confundir as liberdades morais e cívicas essenciais, com a desastrosa liberdade econômica do capitalismo”.

Neste livro (p. 180), Alceu já defendia a superação do regime salarial para obter uma “sociedade livre, baseada na democratização efetiva da cultura, da propriedade [do uso e controle dos bens], do trabalho e do poder, por meio de uma distribuição mais racional e mais humana dos benefícios e dos sacrifícios sociais”. Antes, no livro “Política” (1931), Alceu, na linha de Pio XI e de Maritain, defendeu a estatização dos grandes meios de produção, a regulamentação e a planificação participativa da economia etc. Alceu defendeu, no mínimo desde 1932, a estatização dos bancos, das minas, das usinas elétricas, dos grandes transportes, das usinas de ferro e aço etc. 

Laski adotava uma teoria funcional do Direito, parecida com a de Louis Josserand, Karl Renner, Hauriou, Renard (que deixou boas obras sobre socialismo e ordenou-se frade dominicano) e outros. Vejamos alguns textos de Laski, colhidos do livro ” Gramática da Política”, 1925: ” rights, therefore, are correlative with functions. I have them that Y may make my contribution to the social end…My rigts are buit always upon the relation my function has to the well-being of society (págs. 94 e s.)”. Traduzindo: “os direitos, então, são correlativos com as funções. E os tenho para que eu possa dar minha contribuição para o fim social… Meus direitos são constituídos, sempre com base na relação com minha função para a perfeição da sociedade”. Leon Duguit também destacou bem as funções sociais, como será visto.

O utilitarismo social, que vê o fundamento do Direito na utilidade social (e não individual, como Bentham), tinha pontos corretos, pois a utilidade social tem praticamente o mesmo conceito que bem comum e interesse social ou geral. Jeremias Bentham ((1748-1832) escreveu que, procurando um sistema de moral, leu um livro de Priestley, onde encontrou a fórmula “a maior felicidade do maior número”. Bentham somente passou a usar esta fórmula em escritos a partir de 1822. Priestley era adepto de um cristianismo “materialista”, com base estóica, próximo a Hobbes e Tertuliano. Pristley escreveu obras religiosas, crendo em Deus, na ressurreição dos corpos achava que todos os seres, mesmo Deus, têm alguma matéria, concepção religiosa próxima de alguns estóicos e presente em Tertuliano.

Bentham ficou tão alterado que, “transportado de alegria”, gritou Eureka (“achei”, como Arquimedes). Esta fórmula era usada por Santo Inácio, que também estabeleceu, como uma das regras de discernimento, buscar o bem da forma mais universal possível, para o maior número. Felicidade, bem, interesse legítimo, são expressões praticamente semelhantes.

Bentham tem seu lado ruim (inclusive uma postura deísta e meio cética em relação à religião), mas deve ser reconhecido ao mesmo (tal como a James Mill), o mérito de lutar pela democratização do governo (especialmente a partir de 1817). Também se esforçou em prol de mudanças legislativas favoráveis ao povo, pela reforma penitenciária (a defesa da prisão celular, onde o preso tem direito a uma cela própria, ponto importante, ainda que tenha errado por não ter valorizado a vida comunitária e pelos absurdos do “Panapticon”) etc. Bentham, na medida em que envelhecia, deixava os erros capitalistas, preparando os melhores textos de Stuart Mill, que adotou um socialismo democrático.

O utilitarismo enfatizava a utilidade das coisas e instituições. Quando esta teoria se aplica a sociedade, assume formas próximas à teoria do bem comum, retomando suas raízes religiosas, como pode ser visto nas últimas obras religiosas de John Stuart Mill. Afinal, o que é útil à sociedade é o que é bom para a mesma, o que cumpre uma função social. Neste ponto, mesmo Hobbes (que era cristão, não tendo sido ateu) viu corretamente que é bom que exista um ordenamento jurídico positivo para evitar o individualismo, a situação de “homo homini lupus” (homem predador, lobo, do homem.