Algumas boas ideias de Herbert Spencer, tal como seus erros

Herbert Spencer (1820-1903) adotava uma forma de jusnaturalismo, que fica bem clara no livro “Princípios de ética”, especialmente no texto “Beneficência positiva” (1893). A justiça é, para Spencer, o fundamento da convivência social, regras razoáveis para o convívio social, e ele fez um bom elogio da “simpatia”, da “compaixão”.

Spencer ensinava que há uma lei natural evolucionista, como manifestação do Incognoscível (Deus). Esta lei natural seria uma síntese do altruísmo (tão defendido por Comte, com a fórmula “viver para o próximo”) com a fórmula liberal “viver para si”, o que geraria a fórmula “vive para ti e para os outros”.

Esta síntese conciliava o interesse particular com o geral, o bem próprio com o bem social, ou seja, a mesma ideia de economia mista, da idéia aristotélica e cristã do bem comum. O jusnaturalismo de Herbert Spencer foi constatado por Cogliolo e também por João Monteiro, no livro “Programa do curso do processo civil” (São Paulo, Ed. Duprat, 1905, p. 65).

O livro de Spencer “A base da moral evolucionista” ilustra esta tese, numa corrente próxima ao pensamento ético e também religioso de Stuart Mill.

A diferença é que Spencer era liberal, tendo enorme ojeriza à intervenção estatal, atacando até a beneficência estatal (assistência social). Apesar destes erros liberais, deixou bons textos, que até hoje merecem ser lidos. Há a parte nefasta, horrenda, e há uma parte boa. Distinguir, separar o joio do trigo, eis o papel de distinção dos católicos, como apontou Maritain e também Alceu. 

Spencer, no livro “Primeiros princípios”, ensinou que em todas as opiniões e crenças há um fundo de verdade e que entre a religião e a ciência há uma harmonia fundamental. Ele justifica a “fé do carvoeiro”, das pessoas simples, com a idéia do incognoscível.

Neste mesmo sentido, vale a pena lembrar que a ciência – tal como também entendiam Santo Tomás de Aquino, Descartes, Comte, Herbert Spencer e outros – é “um desenvolvimento do conhecimento vulgar”, “ninguém pode dizer com exatidão onde terminam os axiomas do senso comum e em que ponto começam as generalizações científicas”. Isso ocorre por conta da concepção que a Igreja tem das aparências (no caso Galileu esta concepção foi exposta), que não esconderiam a verdade, e sim seria um meio de apreensão dos conceitos verdadeiros. A aparência não engana, o que engana são as falsas aparências. A aparência, o que aparece aos sentidos, tem, intrínseco, latente, as ideias, as boas regras. A inteligência deve avançar da aparência à essência e a essência (os conceitos, as ideias) estão nas coisas, na aparência. 

O elogio do homem comum, do povo, tem boa base teológica. Spencer, apesar de ter sido defensor do individualismo, do liberalismo econômico, deixou bons textos e o apreço de Sílvio Romero por seus textos tinha boa base de razoabilidade.

No Brasil, Sílvio Romero (1851-1914) adotava a linha evolucionista de Spencer, que era anti-militarista e via corretamente a evolução social como a substituição da força bruta e da violência (Forças Armadas, escravidão, polícia, presídios etc) pela força da razão e da justiça.

Este evolucionismo, próximo também de Bergson (e de Boutroux e Eucken), influenciou Alceu e também alguns anarquistas. Romero escreveu “Doutrina contra doutrina ou o evolucionismo e o positivismo no Brasil” (1894) contra alguns erros do positivismo de Comte. Ele definia o Direito como “o complexo das condições criadas pelo espírito das várias épocas, que servem para, limitando o conflito das liberdades, tornar possível a coexistência social”, definição que tem vários pontos verdadeiros e foi formulada antes por Kant, que era teísta e é uma das fontes fundamentais da democracia, como provam os bons textos de Norberto Bobbio.

Alfred Fouillée (1838-1912) foi outro grande pensador, que destacou várias boas idéias. Esta corrente ganhou o nome de ego-altruísmo, economia mista, conciliação entre a pessoa e a sociedade, bem comum. E esta corrente tem respaldo na corrente cristã do cumberlandismo (em homenagem a Richard Cumberland), que exaltava a benevolência. Fouillée, Spencer e Stuart Mill defendiam a democracia, ainda que Spencer fosse individualista, ligado ao liberalismo econômico, ao racismo etc.