Maquiavel foi pensador católico, cometeu erros, mas deixou também excelentes ensinamentos corretos

O próprio Nicolau Maquiavel (1469-1527), com todos seus erros, manteve sua religiosidade até o final da vida. Isto fica claro no livro de Roberto Ridolfi, “Maquiavel” (São Paulo, Musa Editora Ltda, 1999). Por isso, num momento em que suas idéias cristãs falaram mais alto que suas idéias maquiavélicas, em sua obra principal, “Discursos sobre as Décadas de Tito Lívio” (III), Maquiavel escreveu frases dentro da grande tradição cristã:

“não sem motivo se compara a voz de um povo à voz de Deus, porque se vê uma opinião universal [comum a todos] fazer efeitos maravilhosos nos seus prognósticos” [e]

“são melhores governos os dos povos que os dos príncipes… E se os príncipes são superiores aos povos no ordenar as leis, provocar vidas de civismo, ter a iniciativa da legislação, os povos são superiores em manter as coisas ordenadas que eles acrescentam à glória dos que as ordenam”.

Mesmo no livro “O príncipe” há idéias cristãs. Este fundo fica patente no capítulo XXVI do livro “O príncipe” (São Paulo, Ed. Martin Claret, 2004, pp. 152-154), com o título “Exortação à libertação da Itália, dominada pelos bárbaros”.

Maquiavel exortou o povo, como sujeito histórico e político, a constituir “uma nova forma de governo” que “beneficiasse o povo”. Lembrou o exemplo do povo de Israel e a libertação do poder do Egito e ressaltou que a ação de Deus, no mundo, ocorre pela mediação do exercício “do livre-arbítrio”, “a parte de glória que nos cabe”, ensinando também que parte das decisões de nossas vidas são devidas à liberdade e a bondade, e parte à fortuna, ao acaso, às circunstâncias. Disse que “a Itália, depois de tanto tempo, precisa encontrar seu libertador”, pois “o odor ácido do domínio bárbaro penetra por todas as narinas”. Sob a “bandeira” deste libertador, “nossa pátria” voltará “a se levantar”, confiando, como Petrarca, “no coração dos italianos”.

O ponto central e tradicional é que a Itália (e o mesmo vale para as outras nações, como viu Moses Hess e outros) é considerada uma pessoa moral, formada pelos italianos e tem, para Maquiavel (ecoando a teoria política da Paidéia e do catolicismo), o direito natural à autonomia, como nação. O princípio da nacionalidade, que nasce do princípio da democracia, está claro nas entranhas cristãs mesmo desta obra com tantos erros “maquiavélicos”. Todas as 230 ou 240 nações devem ser livres, claro que no bojo de um grande Estado mundial, federalista, descentralizado, democrático, que respeita as instâncias menores. 

Conclusão: Maquiavel estava certo ao ensinar que o Estado é algo natural e que a política tem relativa autonomia em relação à ética e à religião. Errou, no entanto, ao exagerar esta autonomia e ao defender, em alguns textos, regras políticas imorais. O que se convencionou chamar de “maquiavelismo”, e que foi condenado pelo Vaticano (pouco depois da publicação do livro de Maquiavel), é a cisão entre política e ética, entre o Estado e a ética. Pedro Ribaneira, discípulo direto de Santo Inácio de Loyola, escreveu um livro especificamente contra estes erros de Maquiavel e o livro expressou o juízo dos Jesuítas e da Igreja, contra as idéias erradas do “maquiavelismo”.