A linha democrática popular da doutrina social da Igreja, algo tradicional e revolucionário

A Igreja, dentro do processo de evangelização, expõe idéias éticas que contém implicitamente e explicitamente uma doutrina política pluralista, que é o maior elogio da razão do povo, das idéias do povo. Esta doutrina exige a participação de todos nas decisões que dizem respeito a todos, sendo este o melhor método para a realização do bem comum. Este ponto foi bem explicado por São Tomás de Aquino, dando continuidade à linha democrática e popular dos Santos Padres, dos Mártires, dos Apologistas, dos Padres Apostólicos, dos Apóstolos e da Tradição hebraica.

Pio XII, na alocução de 01.06.1941, em comemoração ao quinquagésimo aniversário da “Rerum Novarum”, chamou a linha democrática e popular da Igreja, a linha da “Rerum”, de “nobre flama” (Chama, Luz) “do fraternal Espírito social, que se reavivou” nos lares cristãos “pela luminosa centelha das palavras de Leão XIII”.

Uma chama (tocha, luz) que deve ser mantida por contínuo “combustível”, sem nunca ser “encoberta pela indigna, tímida e cautelosa isenção em face das necessidades dos pobres ou apagada pela terra e pelo barro” do “torvelinho do anti-cristianismo”. Esta chama é a “fome e sede de justiça”, nos termos de Cristo. A luz da “Rerum”, em 1891, foi precedida, antes, no Brasil, em 1888, pela encíclica de Leão XIII sobre a abolição dos escravos, da reificação das pessoas.

Oito exemplos ilustram bem a linha da Democracia real, do amor da Igreja pela democracia real.

Primeiro, Otto Schilling (1874-1956), autor de obras como “A doutrina social e do Estado de Santo Agostinho” (1910), “Direito natural e Estado na Doutrina da antiga Igreja” (1914), “Doutrina social e do Estado de Santo Tomás de Aquino” (1923) e “Filosofia do direito e Cristianismo social” (1933).

Em segundo lugar, Marc Sangnier (1873-1950), que escreveu obras como “O espírito da democracia” (1905), “O Sillon, espírito e métodos” (1905), “A luta pela democracia” (1908), “A jovem República” (1913) e “Discursos” (1910).

Em terceiro lugar, Giuseppe Toniolo (1845-1918), autor de obras como “A democracia cristã” (1900), “A união profissional do trabalho” (1901) e “Tratado de economia social” (1906-1921). A escola ético-jurídico, de Toniolo, defendeu uma democracia política e econômica real, onde os trabalhadores sejam sujeitos das relações políticas e econômicas, e não objetos, escravos.

Em quarto lugar, o jurista Filomusi Guelfi (1842-1922), autor de obras como “A doutrina do Estado na antiguidade grega na sua relação com a ética” (Nápoles, 1873), “O conceito de direito natural e de direito positivo, na história da filosofia do direito” (1874) e “Lições sobre filosofia do direito” (1949, póstuma).

Em quinto lugar, o padre Henri Rommen (1897-1967), autor de obras magistrais, como “A doutrina de Estado de Francisco Suarez” (1947) e “O Estado no pensamento católico” (São Paulo, Edições Paulinas, 1967, obra elogiada por Paulo VI). Em sexto lugar, Jacques Maritain (1882-1972), autor de livros como “Da filosofia cristã”, “Humanismo integral”, “Os direitos do homem e a lei natural”, “Cristianismo e democracia”, “A pessoa e o bem comum”,”Homem e Estado” e outras.

Em sexto lugar, basta lembrar do sociólogo belga, o beneditino Odon Lottin (1880-1965), autor de obras magistrais como “Psicologia e moral dos séculos XII e XIII” (1942-60), “O direito natural em São Tomás de Aquino e seus precursores” (1931), “Princípios de moral” (1947), “A teoria do livre arbítrio depois de Santo Anselmo até São Tomás de Aquino” (1929), “As fontes da nossa grandeza moral” (1946) e “Moral fundamental” (1954).

Em sétimo lugar, há o padre Antoine Pottier (1849-1923), outro sociólogo belga, um dos principais inspiradores do movimento democrático cristão. Pottier escreveu livros como “A cooperação e as sociedades operárias” (1889), “A questão operária” (1903) e “A moral católica e as questões sociais de hoje em dia” (1920).

A linha de democracia real e popular foi bem descrita por Maritain (oitavo exemplo), na “Carta sobre a Independência” (1935), onde escreveu: “uma sã política cristãmente inspirada”, que chama “a si todos os não-cristãos, que a achassem justa e humana”, vai “muito longe para a esquerda” na escolha de “soluções técnicas, na apreciação do movimento concreto da história e nas exigências de transformação do presente regime econômico”. Isto ocorre por “posições absolutamente originais”, “procedendo, na ordem espiritual e moral, de princípios muito diferentes das concepções de mundo e da vida, da família e da cidade, prestigiadas nos diversos partidos de esquerda”. Há o mesmo ensinamento nos textos de Mounier, Alceu, do Cardeal Cardijn e outros autores da Igreja.