Bakunin achava que a teoria jusnaturalista da Igreja é a teoria mais antiga sobre democracia, a mais tradicional

Mikhail Bakunin, no livro “Estatismo e anarquia” (São Paulo, Editora Imaginário, 2003, pp. 154-155), também ensinou que o jusnaturalismo democrático é a mais antiga das teorias democráticas, tendo sido defendida por Santo Tomás de Aquino, Suárez e milhares de outros autores.

O padre Juan de Mariana (1537-1624) foi um destes jesuítas. Mariana escreveu obras como “Historia general de Espana” e “De rege et regis institutione” (1599), onde chegou a defender o tiranicídio, na linha de Cícero. Num parêntese, a Igreja, tal como o marxismo, nunca viu com bons olhos o tiranicídio, mas sempre defendeu o direito de revolução do povo, com preferência para métodos pacíficos de resistência e pressão (cf. a boa lição de Daniel O´Connel). O direito do povo à revolução faz parte do “Catecismo do Vaticano”, está expressamente nos textos dedicados pelo Vaticano para o ensino do cristianismo mesmo às criancinhas.

O texto de Bakunin sobre a relação entre a democracia e o jusnaturalismo no processo histórico é claro e vale à pena transcrevê-lo, como abonação valiosa:

“A tese contratualista é velha. O que há de novo é a sedutora apresentação de um material que já se cuidava de todo gasto com o emprego que dele fizeram os grandes reformistas da ciência política, desde Althusius a Locke, e que voltou, de repente, à tela de debate, conduzido pelo gênio de Rousseau, para cavar assim o alicerce às agitações mais graves que abalaram o prestígio da autoridade régia. Contratualista foi o Santo Tomás de Aquino na Idade Média. Contratualistas precursores foram também os teólogos da Reforma, os monarcômanos calvinistas como Languet e Althusius, os doutos jesuítas da reação romana, como Suárez e Mariana, que, saindo das hostes de Loiola, vieram da Espanha acometer numa guerra sem quartel a vasta heresia de Lutero e Calvino. Contratualistas maduros de teses já secularizadas são ainda, na história do pensamento político, Hobbes, depondo no monarca a soberania, que o consentimento popular legitimou em termos de alienação irreversível, e Locke, lançando ao poder político as bases contratuais que salvaguardam em cada ente humano a sagrada esfera dos três direitos capitais e inalienáveis: a vida, a liberdade e a propriedade. Como se vê, há predecessores ilustres, dos mais afamados canonistas da cristandade ortodoxa e da cristandade dissidente até aos mais expressivos pensadores de uma ciência política já emancipada de laços religiosos que se ocupam com a problemática contratualista, tirando do esforço racional de conceber a origem e a justificação do poder político todas as amplas conseqüências doutrinárias que a tese comporta. Entra assim Rousseau num tema aparentemente esgotado. Atrás de Rousseau, estão também os filósofos da Escola do Direito Natural e das Gentes, toda essa plêiade de pensadores e juristas que abrangem nomes como os de Grotius, Pufendorf, Tomasius, Barbeyrac, Burlamaqui e Vattel, empenhados em arrancar da razão pura a explicação do Estado e do Direito”.

O esboço histórico está quase todo correto, embora seja incompleto. Bakunin ensinou corretamente que o jusnaturalismo contratualista (“a tese contratualista”, da consensualidade), nascido do “esforço racional de conceber a origem e a justificação do poder político”, é a principal teoria democrática, a mais antiga.

A teoria jusnaturalista está presente na Bíblia e nos melhores textos da Paidéia, tendo sido também acolhida pelos “canonistas da cristandade ortodoxa”, por Santo Tomás de Aquino, Vitória, Azpicueta, Molina, Mariana (“De Regno et regis institutione”),Soto, Alfonso de Castro, Suárez, Mariana, Althusius (1610), Grotius (1625), Pufendorf, Tomasius, Locke, Burlamaqui, Languet e por outros exponentes. Houve também homens como Etienne de la Boétie (1530-1563), autor do livro “Discurso da servidão voluntária” (1548) e seu amigo Michel Montaigne, que deixaram textos importantíssimos para a ampliação da democracia. Todos estes autores tinham princípios religiosos e quase todos eram católicos.