A doutrina social da Igreja é apologista da economia mista, distributista, social, popular

Teorias como a dos preços justos (com origem bíblica, patrística e medieval) mostram que a doutrina da Igreja admite e recomenda o poder e o dever do Estado de planejar; controlar os preços; proibir os juros (leis contra a usura, contra a mais valia); leis contra o luxo (contra o ter em excesso e o uso irracional, o luxo, basta pensar nas leis suntuárias, contra o supérfluo e a má utilização dos bens); fixação legal dos salários, da remuneração do trabalho; melhoria legal das condições de trabalho; proibição dos monopólios particulares (como queria Barbosa Lima Sobrinho, um grande católico nacionalista); a condenação dos latifúndios etc. No fundo, a doutrina da Igreja exige que a sociedade, por meio de leis e regras jurídica, se autodetermine, ou seja, regulamente e planeje a economia e sua vida, em geral.

Os textos de um Galbraith sobre o controle dos preços ficam bem aquém (são como caldo ralo e aguado) dos textos de um padre Luis Molina, por exemplo. A interpenetração entre os dois ramos do Direito ocorre principalmente por conta da mudança da relação entre a economia e o Estado e da ampliação do papel ativo e dirigente do Estado na economia (as relações de produção, circulação e consumo). No fundo, trata-se da ação da sociedade, que age por meio do Estado, por isso, o Estado deve ser controlado pela sociedade organizada.

A ampliação do papel do Estado na economia foi sempre recomendada por juristas ligados à Igreja. Um bom exemplo é Dalmo de Abreu Dallari, que escreveu, no livro “O renascer do Direito” (São Paulo, editor José Bushatsky, 1976, p. 174): “um dado comum a todas as experiências é a publicização das atividades sociais, que leva, necessariamente, à publicização do próprio direito”, “em lugar de ser um processo de anulação dos valores individuais, é, precisamente, um meio de fazer com que a organização social atue mais eficazmente a serviço do indivíduo, mas de todos os indivíduos”. Há a mesma lição nos grandes civilistas católicos da França, da Itália, da Espanha etc. 

Neste texto, Dalmo Dallari (tal como seu filho, Pedro Dallari) defendia um sistema misto de parlamentarismo-presidencialista, no que seguia os modelos da França, Itália e Alemanha. Este sistema possibilitaria uma atuação mais eficaz do Estado na planificação da economia e o controle do Executivo pelo povo, mediante o Parlamento e formas diretas de democracia. Dalmo defendia uma economia mista, distributista, planificada, sem monopólios privados e grandes fortunas, sem latifúndios etc.

Dalmo foi sequestrado em julho de 1980 por grupos para-militares e espancado, o que atesta sua importância e como a ditadura militar o temia. Seus textos jurídicos são opiniões católicas (e cidadãs), pois são inspirados na ética (na razão), tal como eram os textos de um Graham Greene ou de um François Mauriac (ver “Palavras católicas”). São grandes escritores no prisma natural e, assim, no prisma religioso. Mauriac (1885-1970) combateu o franquismo, participou da Resistência Francesa e apoiou a causa da libertação da Argélia. Greene apoiou lutas pela libertação na América Latina.