O ideal histórico concreto de hoje – a construção de um grande Estado social, popular, economia mista, democracia popular participativa

A noção de “ideal histórico” da Igreja foi formulada principalmente por Maritain. No Brasil, os “maritainistas” principais foram homens como Alceu, Afrânio Peixoto e centenas de outros. O grupo que gerou a TFP e que a geriu no tempo de Plínio Correia de Oliveira combateu a influência de Maritain e NÃO representava a posição da Igreja, tanto que a TFP foi depois condenada pela CNBB.

A expressão “ideal histórico” foi formulada com mais precisão no documento “Diretrizes mínimas para o ideal histórico do povo brasileiro”, elaborado pela JUC, em seu Congresso dos 10 anos, com cerca de 500 representantes de todo o Brasil (especialmente MG, RJ e BA), no Rio de Janeiro, em 1960. Neste documento, já havia a opção por uma forma de “socialismo democrático”, unindo democracia, trabalhismo, nacionalismo e socialismo.

Os líderes da JUC eram homens como Betinho, Vinícius Caldeira Brant, Henrique Novais, Aldo Rebelo, Frei Mateus, padre Francisco Lage Pessoa (ver reportagem “Cristo e Marx”, na revista “Manchete”, n. 492, de 23.09.1961, pp. 96-99), Frei Carlos Josaphat, padre Henrique Cláudio de Lima Vaz, Frei Romeu Dale e outros. A JUC assumiu a direção da UNE, no final da década de 50 e início dos anos 60, no século XX.

No “Boletim da JUC” (n. 4, I), há um texto com o título “O ideal histórico”, onde está bem explicada a noção de “ideal histórico”: “é absolutamente necessário em vista de um engajamento cristão eficaz na ordem temporal, que se faça ampla e cuidadosa reflexão sobre as realidades históricas concretas à luz dos princípios universais (…), em busca da fixação de certos princípios médios que exprimem o que se pode chamar de ideal histórico cristão”.

O ponto central são os princípios fundamentais (“estruturantes”, universais, gerais de ética e de direito), dos quais decorrem os princípios médios, mais concretos, que configuram o ideal histórico. A formulação e a concretização cabem principalmente aos leigos.

A JUC e a Pastoral Operária, especialmente a JOC (e também os Círculos Operários e a própria CLAT), exigiam uma economia socializada, popular, mista, sem milionários, mas com o máximo possível de participação, de auto-gestão e co-gestão, em todos os níveis. Ou seja, uma forma de socialismo cooperativista. Por exemplo, na França, este ideal foi defendido por Buchez, Lamennais, Lacordaire, Péguy, Marc Sangnier, Mounier, o abade Pierre, e também por Georges Montaron, dirigente nacional da JOC de 1940 a 1947 que defendia uma forma humanista de socialismo como concretização (concreção) dos princípios éticos racionais e também ensinados pela religião. A JOC, na França, nos anos de 1970 a 1990, esposou explicitamente a causa socialista.

A JUC seguia a linha de pensadores como Alceu Amoroso Lima, Dom Hélder, o padre Lebret, Karl Jaspers, Gabriel Marcel (1889-1973), Emmanuel Mounier, Jacques Maritain, o padre Teillhard de Chardin, os ideais cristãos da Resistência Francesa e milhares de outras fontes. Mounier, Jaspers (católico meio panteísta e pró-socialista) e Marcel serviram como umas das fontes essenciais de autores como Ricouer e este, por sua vez, é uma das fontes da teologia da libertação. Para verificar como este movimento internacional ocorreu, basta transcrever um texto elucidativo do padre Lebret, por exemplo, no livro “Manifesto por uma civilização solidária” (São Paulo, Ed. Duas Cidades, 1962, p. 34), onde redigiu um capítulo com “nossa posição face ao socialismo”, com o seguinte texto:

O cristianismo poderia mesmo contribuir para renovar [retomar as raízes religiosas do socialismo pré-marxista, como demonstrei no meu livro “Socialismo: uma utopia cristã”] um tipo de socialismo aberto [participativo], na medida em que o socialismo abandonasse sua mística materialista [reificadora, melhor dizendo].

A votação de leis sociais foi, em muitos países, obtida pelo apoio de socialistas e de cristãos empenhados no campo social. Socialmente, muitos cristãos estão em posição mais avançada que muitos líderes socialistas ou mesmo que a massa socialista. Desde que o socialismo supere suas posições anti-religiosas e reconheça a importância das responsabilidades pessoais efetivas [da liberdade, da participação], deixará, sem dúvida, de ser considerado pelos cristãos como uma força necessariamente inimiga”.

O ideal histórico (o “projeto histórico” brasileiro, exposto nos Encontros Nacionais de Fé e Política) é que a comunidade se autogoverne, em formas flexíveis de autogestão ampliada, de forma espontânea e livre, onde todos cumpram as regras de convívio de forma espontânea, livremente.

A espontaneidade, a liberdade, só terá condições sociais de generalização quando as normas jurídicas positivas estiverem em harmonia com as idéias práticas do povo (os ditames, as idéias verdadeiras), nascidas da consciência do povo, das razões entrelaçadas, do diálogo, da experiência histórica e dialógica.

Neste sentido, os textos dos melhores anarquistas (especialmente Kropotkin) e socialistas (especialmente os utópicos, quase todos com alguma religiosidade, como pode ser visto na obra de A. Lichtenberger, “O socialismo francês no século XVIII” (1895), que é a obra fundamental para as raízes do socialismo utópico) coincidem com o núcleo da doutrina cristã e este ponto foi constatado até pelo abominável Nietzsche, como será demonstrado num dos tópicos deste blog. Nietzsche odiava o catolicismo, a democracia, o socialismo, Sócrates, Buda, Confúcio, Kant e tudo o que existe de bom no mundo, inclusive os textos de Rousseau. 

Conclusão: o “ideal histórico” ou “projeto histórico” dos católicos, no Brasil, é uma Democracia Participativa, Social, um Estado Social, uma forma de socialismo humanista, participativo, democrático, com liberdade, ECONOMIA MISTA, democracia participativa-popular.