Feuerbach reconheceu a ligação do tomismo com o melhor do pensamento clássico

Ludwig Feuerbach, discípulo de Spinoza e um dos mestres de Marx, em seu livro “A essência do cristianismo” (Campinas, Ed. Papirus, 1988, p. 193), ressaltava a ligação da doutrina tomista com o melhor do pensamento antigo, da Paídéia:

“Os cristãos, de fato, “sacrificavam” o “indivíduo”, isto é, aqui o indivíduo enquanto parte, ao todo, ao gênero, à comunidade. A parte, diz Santo Tomás de Aquino, o maior pensador e teólogo cristão, sacrifica-se a si mesma, por um instinto natural, para a conservação do todo. “Toda parte, por natureza, ama mais o todo do que a si mesma. E todo indivíduo por natureza ama mais o bem do seu gênero do que o seu bem individual. por isso, todo ser naturalmente ama mais a Deus, o bem universal, do que a si mesmo (“Summae P. I., q. 60, art. V).

Portanto, neste sentido os cristãos pensam como os antigos. Tomás louva os romanos (de “Regim. Princ.”, liv. III, c. 4) pelo fato deles terem colocado a sua pátria acima de tudo e de terem sacrificado o próprio bem-estar ao bem-estar dela”. Frise-se que a noção de bem comum da Igreja e do melhor do pensamento clássico não nega o valor do indivíduo, considera o bem pessoal, familiar e social, em boa síntese, sem que um anule o outro. 

A idéia de “justiça” (regras do bem comum, que é a definição, conceito, desta virtude cardeal) está nos textos de Homero, de Hesíodo, nos poetas e trágicos gregos, tal como nos textos dos filósofos (Xenófanes, Heráclito), historiadores e no pensamento filosófico-religioso. O mesmo na Bíblia, e antes da Bíblia, no melhor do pensamento semita mesopotâmico e egípcio (o Império médio teve ideias semitas).

Dali foi para o ensino de Sócrates, de Platão (o livro “Protágoras”, “República” e especialmente “As leis”), sendo mais detalhado nos textos de Aristóteles e dos estóicos.

Estas idéias filosóficas e da religiosidade natural-racional coincidiam com os textos bíblicos, hebraicos, e foram, assim, aceitos pelo cristianismo (que manteve o melhor da Paidéia, cf. Werner Jaeger).

O “sacrifício” de Cristo é apresentado como exemplo maior e o próprio Cristo ensinou que não há amor maior que dar a própria vida pelo próximo, pelo bem dos outros, da sociedade. Augusto Comte, nas pegadas de Saint-Simon, um grande cristão socialista, cunhou o termo “altruísmo” como contraposto (contrário) ao “egoísmo” (pecado) e os próprios positivistas terminaram por reconhecer que o altruísmo é o velho amor ao próximo (caridade).Na boa síntese de John Stuart Mill, inspirado por Comte, a ética é baseada nas regras práticas para uma boa vida pessoal e social, o mesmo conceito do bem comum, ideia clássica, aceita pela Igreja, por coincidir com o melhor do pensamento semita-hebraico. 

Conclusão: a “pátria” é a sociedade, o povo, onde nascemos. O cristianismo, como bem expôs Santo Agostinho e os Santos Padres (especialmente Santo Ambrósio e São Basílio), tem, em suas entranhas, uma ética social, baseada no bem comum, no bem da sociedade e de cada pessoa concreta. O Estado e o poder só são legítimos se servirem ao bem de cada pessoa e de toda a sociedade.

Conclusão dois: a ideia de bem comum é o mesmo que economia mista. 

O primado da sociedade, ou seja, do bem comum, de uma economia mista, é a essência da concepção política cristã e está presente também nos melhores textos da Paidéia, do pensamento hindu, muçulmano (neste ponto, basta ver os elogios de Santo Tomás a Avicena e a Averróes) e nos textos mais antigos de todas as culturas, como a chinesa, a japonesa, coreana, dos povos da África, do Tibet, de nossos povos indígenas etc.