Mesmo o padre Júlio Meinvielle, no livro “A concepção católica da política”, reconhece que o poder constituído, a pessoa que ocupa o poder, tal como os titulares dos direitos subjetivos positivos, são criações humanas, que só são legítimos, se estiverem de acordo com o bem comum, “esta é e foi a doutrina constante da Igreja”. Meinville transcreve, para exemplificar, um texto de Francisco Suárez, do livro sobre as leis: “não existe rei ou monarca que tenha ou tenha tido imediatamente de Deus, ou por instituição divina, o principado político”. A mediação é sempre a sociedade, o consenso, a liberdade das pessoas.
Concordo com Meinville, neste ponto bem específico: “este é um egrégio axioma da teologia”. Também concordo com o texto de Bellarmino que Meinvielle cita, afirmando que este ponto (o primado do bem comum, da liberdade das pessoas) é “sentença comum de todos os doutores” da Igreja.
Santo Tomás, na “Suma teológica” (II-IIa, q. 10, a. 10), expôs esta tese com a frase seguinte: “o domínio [as propriedades, os direitos subjetivos positivos] e a autoridade foram introduzidos pelo direito dos homens”, pelo direito positivo. Logo, como destacou Pio XI, tanto os direitos positivos reais, como os obrigacionais, estão sujeitos a variações históricas e locais, podem e devem ser alterados para que a garantia e a promoção do bem comum, para a realização (atualização) do bem comum.
A lei natural visa, “primeiro e principalmente” “ao bem comum”, só sendo legítima se estiver de acordo com este fim, com as exigências do bem comum, com as necessidades humanas, as aspirações humanas. Ora, “ordenar algo ao bem comum pertence a toda a comunidade” (cf. “Suma”, I-II, q. 90, a. 3). Assim, a sociedade, o corpo social ou comunidade das pessoas, tem o direito subjetivo á autonomia, de auto-reger-se, de autodeterminar-se.
Conclusão: o Estado deve ser apenas o agente público, o procurador universal que, ao reger o bem comum, o faz de forma vinculada, para o bem de todos. Santo Tomás, na “Suma Teológica” (I-II, q. 81), diz que as pessoas que formam parte de uma comunidade devem considerar-se como um corpo, um corpo social, e toda a comunidade como uma pessoa, uma pessoa jurídica de direito natural, “artificial”, construída, que não destrói as liberdades essenciais, e sim as realiza (cf. Chesterton e Alceu). Sobre o corpo social, o corpo social constrói o Estado, uma pessoa jurídica de direito positivo, tal como constrói leis positivas, com direitos subjetivos positivos, situações jurídicas, sendo toda a estrutura do Estado e do ordenamento jurídico positivo sujeita ao controle do povo organizado.