A primazia da Mesopotâmia entre as civilizações. O berço das civilizações

A história das civilizações e do processo civilizatório foi descrita, em linhas gerais, num trecho do “Catecismo Holandês”. Este “Catecismo” foi redigido principalmente por grandes teólogos católicos como Schillebeeckx e Schoonenberg. No Brasil, foi publicado com um prefácio do conservador D. Agnello Rossi, com o nome “O novo catecismo” (São Paulo, ed. Herder, 1969, p. 35). Num parêntese, vale a pena lembrar que a Holanda e a Bélgica, há alguns anos, apesar do tamanho pequeno, são países que exportam missionários. A principal religião da Holanda, hoje, é o catolicismo. O mesmo ocorre na Suiça, na Alemanha, em vários dos Estados nos EUA etc. Nos EUA, há cerca de 26% de católicos, sendo a Igreja Católica a maior das igrejas. Em Estados como Rhode Island, o número de católicos chega a quase 70% da população. No Estado de Nova Iorque, há uns 50% de católicos, mais ou menos. 

O “Catecismo Holândes” é de 1966. Foi aprovado pelos Bispos holandeses e pelo Vaticano. Este documento repete o antigo ensinamento católico “qualquer verdade, proclamada por quem quer que seja, provém do Espírito Santo”, que age pelo movimento da razão discursiva (do diálogo), dos nossos melhores afetos, imaginação e instintos. O movimento civilizatório é descrito do seguinte modo:

“As grandes culturas do passado.

Faz relativamente pouco tempo, a saber, cinco mil anos [lá por 3.000 a.C.], que o homem constrói, pela primeira vez, uma cultura mais elevada.

Um Estado, ideologicamente fundado, reúne dentro de si grande número de homens. Nele, salienta-se uma “organização” ou distribuição de tarefas, de tal sorte que já não todos se ocupam apenas em procurar o pão cotidiano.

Surgem centros de governo, de administração, de culto, de cultura e civilização: as primeiras “cidades”.

Fixam-se, visivelmente, a linguagem e a primeira “escrita”.

Acontece isso no Oriente Médio, na Mesopotâmia, onde, cerca de 3.000 a.C, nasce a cultura suméria.

Por volta, mais ou menos, de 2.800 a.C, tem início alta cultura perto do Nilo (Egito), seguida por outra, perto do Indo (cerca de 2.500), e por mais outra, na China (cerca de 1.500).

Vêm, em seguida, as civilizações do México (cerca de 1.000 d.C) e do Peru (cerca de 800).

Aceita-se comumente que existem inter-relações na origem dessas altas culturas primárias.

Quanto à religiosidade, ela se reveste de esplendorosas formas culturais: templos, imagens, cânticos. Característica quase geral das grandes culturas é o “politeísmo”. A sua origem pode explicar-se pelas mais variadas maneiras. Assim, por exemplo: pela objetivação de situações, aspectos ou formas locais de Deus Altíssimo; pela adoração dos descendentes celestes do mesmo Deus Supremo; pelo adicionamento dos deuses de povos vencidos às próprias divindades do povo vencedor etc.

Em geral, contudo, reconhece-se um Deus Altíssimo, Rei dos demais deuses. Em Gen 14, é mencionado Melquisedeque, “sacerdote do Altíssimo”.

Acontece, algumas vezes, que nobres filosofias vêm coroar a religiosidade humana existente. É esse, principalmente, o caso da Grécia. (…)

Podemos ter, tranquilamente, a convicção de que, na sabedoria de todas essas religiões, o eterno Verbo de Deus, Jesus Cristo Nosso Senhor, tem sido ativo, por intermédio de seu Espírito Santo, de forma verdadeira e profunda, embora ainda não com toda a publicidade, com que Deus dignou-se revelá-lo aos Judeus, em face e em prol do mundo inteiro. (…)

Pois, “qualquer verdade, proclamada por quem quer que seja, provém do Espírito Santo; assim repete Santo Tomás de Aquino, no século XIII, uma palavra de Ambrósio, do século IV. Digamos lapidarmente: na procura tateante de Deus, por parte da humanidade, vive a procura tateante da humanidade, por parte do próprio Deus”.

A lista das civilizações e das culturas, elaborada pelos bispos católicos da Holanda, é praticamente a mesma que consta no livro de Darcy Ribeiro, “O processo civilizatório” (Petrópolis, Vozes, 1983, pp. 65, 80 e 97).

Darcy, nosso grande socialista moreno (ao lado de Brizola), descreveu corretamente o “processo civilizatório” do mundo. Darcy, como pode ser visto em suas memórias, no final da vida, aproximou-se da Igreja, especialmente de Alceu, Dom Hélder e Leonardo Boff. O “socialismo moreno” é nacionalista, humanista e democrático, nacionalista, sadio, não tendo nada de contraditório com o catolicismo. Brizola, outro grande socialista, também era cristão, assim como era Miguel Arrais e sua família, estrelas do Partido Socialista Brasileiro. Diga-se de passagem que Arrais claudicou, enquanto Brizola não o fez, dando sequência ao movimento de Getúlio e João Goulart. 

Sobre a história das civilizações, dentro do rio da história, vale a pena, ainda, transcrever um texto de Paulo VI, na “Populorum”:

“As civilizações nascem, crescem e morrem. Assim como as vagas na enchente da maré avançam sobre a praia, cada uma um pouco mais que a antecedente, assim a humanidade avança no caminho da história. Herdeiros das gerações passadas e beneficiários do trabalho dos nossos contemporâneos, temos obrigações para com todos, e não podemos desinteressar-nos dos que virão depois de nós aumentar o círculo da família humana”.

Num sentido semelhante, Jackson de Figueiredo, no livro “Afirmações”, elogiava a formação histórica do Brasil:

Somos, na alquimia misteriosa do Novo Mundo, uma gigantesca alma de povo, em que se fundem, por influxo divino, amarguras e sonhos de dez outros povos, formando pouco a pouco um ideal tão alto e tão forte, que só se pode interpretar como uma nova revelação social do próprio cristianismo, na sua crescente unificação do gênero humano”.

Darcy Ribeiro, como bom antropólogo, foi mais detalhista que os bispos holandeses. Darcy utilizou dezenas de fontes, sendo as principais listadas na p. 42 de seu livro: “A. Weber”, “P. Sorokin”, “Karl Marx”, “J. Steward”, “Sapir” e três de seus autores prediletos: “Lewis H. Morgan” (p. 30). Lewis Henry Morgan (1818-1881) foi um antropólogo dos EUA, ligado aos índios e era teísta como quase todos os outros. Marx teceu um grande elogio a Lewis Morgan, um autor evolucionista e teísta.

Darcy Ribeiro também menciona autores como “Gordon Childe” e “Leslie White”. Este último destacou, como critério principal da civilização, “o grau de controle e de utilização das fontes de energia alcançado por cada sociedade” (p. 32). Num parêntese, Pitirim Sorokin (1889-1968) escreveu obras importantes como “Sociedade, cultura e personalidade” (1947), obra que merece ser mencionada neste parágrafo, pela similitude dos assuntos, especialmente o elogio da autonomia pessoal e social, da autodeterminação racional-discursiva (dialógica) do ser humano.