Os bispos católicos das Antilhas defendem socialismo participativo, economia mista, Estado social, democracia popular

José Marins e equipe, no livro “De Medellín a Puebla” (São Paulo, Edições Puebla, 1979, p. 138), transcreveu um texto dos Bispos das Antilhas que mostra a mesma concepção de socialismo humanista e participativo, exposta neste blog.

Um modelo de socialismo participativo, humanista, comunitário, personalista foi e é recomendado por expoentes e simpatizantes da Igreja, como Dom Hélder, Dom Pedro Casaldáliga, Dom Tomás Balduíno, Dom Mauro Morelli, Alceu, Marciano Vidal, Frei Betto, Chico Alencar, Plínio de Arruda Sampaio, Selvino Heck, Frei Anastácio, João Pedro Stédile, Ivan Polleto, Paulo Freire, Madre Cristina Sodré, Patrus Ananias, Pedro Ribeiro de Oliveira, Dom Tomás Balduíno, Antônio Cândido (católico socialista e humanista), Azis Simão, Hélio Pellegrino, Paulo Freire, Henfil, Betinho, Sérgio Buarque de Holanda, José Gomes da Silva (expoente em prol da reforma agrária, autor do livro “Reforma agrária brasileira na virada do século”), Luci Choinacki e outros.

As Antilhas abarcam as ilhas britânicas, holandesas e ligadas à França. Vejamos o texto antológico e exemplar da Conferência Episcopal das Antilhas, dos Bispos das Antilhas:

“Uma sociedade que reclama a si o pensamento socialista deve ter como objetivo assegurar a seus membros, particularmente aos operários e aos agricultores, diretamente implicados na produção, uma parte das responsabilidades na sua própria concepção, o que implica não somente em compartilhar a propriedade, mas também numa par­ticipação no poder de decisão, em todos os níveis.

A participação dos trabalhadores da indústria sempre se constituiu num tema capital da formação social do cristão.

Para o socialismo, representa uma exigência fundamental, posto que todas as revoluções devem ser feitas em nome dos agricultores e dos operários.

Atualmente, subsiste o perigo de que uma nova elite privilegiada venha a substituir a antiga e, por conseguinte, de que os trabalhadores voltem a viver no mesmo estado de opressão anterior. Devemos estar particularmente atentos para es­se perigo, se não quisermos simplesmente mudar de patrões. (…)

Nenhum sistema socialista é aceitável se ele destrói os direitos fundamentais…

Longe de destruí-las, o verdadeiro socialismo, aceitável para o cristão, deve combater para defender essas liberdades e inclusive para ampliar o seu campo.

Cabe-lhe o dever de assegurar que esses direitos fundamentais sejam respeitados, no interesse de todos, de sorte que essas orientações da liberdade de cada ser humano não se convertam em outra forma de escravidão. (…)

a Igreja jamais defendeu a propriedade privada como um direito absoluto.

O único direito absoluto que ela defende é o destino universal da criação e, conseqüentemente, o direito do indivíduo a pos­suir o que necessita para si mesmo. (Antilhas, documento da Conferência Episcopal, 21-11-1975)”.

Uma democracia popular, social, era também o sonho de homens como Rui Barbosa, Olavo Bilac, Joaquim Nabuco, José do Patrocínio, Antônio Pereira Rebouças, André Rebouças, João Mangabeira, Francisco Mangabeira, Maurício Lacerda (teísta, adepto de um socialismo democrático), San Tiago Dantas, o general Lott, Adalgisa Nery, Gabriel de Resende Passos, Domingos Velasco, Franco Montoro, Pedro Simon, Brizola, Barbosa Lima Sobrinho, Hélio Silva, Tancredo Neves, Juscelino e Arthur Bernardes (destaque para sua luta anti-imperialista nos anos 40 e 60). Quase todos estes políticos eram católicos. 

Getúlio Vargas, filiado ao PTB, apesar de erros castilhistas (há também a parte boa do legado de Júlio de Castilhos), defendeu um socialismo cristão e um trabalhismo nacionalista que seriam a ante-sala de um socialismo brasileiro. Criou a Petrobrás, a Fábrica Nacional de Motores (para enfrentar a multinacional GM e outras), a siderurgia estatal, consolidou e ampliou a legislação trabalhista e de seguridade social, etc. A importância de Getúlio foi reconhecida pelo PCdoB, pelo PDT, PTB, PT, Hora do Povo e outras correntes. Os textos de homens como Prestes, Humberto Bastos, Nélson Werneck Sodré, Brizola, Tancredo Neves, Juscelino, Rômulo Almeida ou Enrique Dussel reconhecem seus méritos. A linha getuliana (1930-45 e, especialmente, 51-54) é, grosso modo, a linha de Cárdenas (1934-1940), Perón (1945-55 e 1973-74), tal como era a de Hipólito Irigoyen (1918-1930) ou de José Battles y Ordonez (1856-1929), no Uruguai. Neste sentido, até homens como Gustavo Capanema puseram suas pedras na construção de um Estado mais ligado ao povo. O mesmo vale para Borges de Medeiros, várias vezes governador do RS, que se converteu ao catolicismo, morrendo como bom católico e republicano. 

Há também a meta de uma democracia social e popular nos textos de católicos como: José Américo, Ulisses Guimarães, Miguel Arraes, Plínio de Arruda Sampaio, Paulo de Tarso Santos, Teotônio Villela (vide o livro “Projeto emergência”, Rio, Codecri, 1983), Oswaldo Lima, Sérgio Buarque de Holanda, Antônio Cândido, Henfil, Osvaldo Aranha (1894-1960, do Partido Trabalhista), Flores da Cunha, Osvaldo Bandeira de Melo, Marcos Freire, padre Nobre (antigo PTB e MDB-MG), padre Godinho (errou na UDN, mas foi para o MDB e teve a honra de ser cassado) e milhares de outros políticos e escritores brasileiros, alguns com atuação só em suas pequenas cidades.

No fundo, há a mesma linha nas velhinhas beatas, nos analfabetos que trabalham no eito das lavouras dos latifúndios e sonham com a abolição das grandes fortunas privadas e com a mediania. O ideal é que todos tenham inclusive “modesto pecúlio com a parte” da remuneração economizada (cf. Pio XI, na “Quadragesimo”), sem miséria e sem fortunas privadas. Sobre Rui Barbosa, basta ler sua biografia redigida por João Mangabeira e o livro “A questão social e política no Brasil” (Rio, Ed. LTR, 1983, com prefácio de Evaristo de Morais Filho).

A base de uma democracia participativa e de todas (ou quase todas) as formas de socialismo é a doutrina sobre o destino universal da criação, com a exigência de compartilhamento (participação nos planos, no controle efetivo) dos bens e do poder. Logo, a gestão dos bens deve ter o controle efetivo dos trabalhadores e da sociedade. O mesmo vale para o poder, que é a ação da sociedade, uma forma de controle da sociedade, através de planos mais extensos. Este “controle social” deve ser difundido, tendo em conta a soberania e o domínio eminente da sociedade.

No Brasil, a leitura dos textos da CNBB e especialmente de nossos melhores bispos (Dom Tomás Balduíno, Moacir Grechi, Hélder Câmara, Pedro Casaldáliga e tantos outros) são concretizações da Tradição viva (a “lei oral” ou Paidéia hebraica, cf. Gamaliel e os fariseus), explicitações (concreções) do melhor do pensamento ético de nosso povo.