Democracia popular é naturalmente humana, logo, naturalmente cristã

A Revolução Francesa foi uma revolução feita por católicos, principalmente por leigos. Teve o apoio inicial (renovado após a Concordata) do Clero e o apoio permanente de parte do clero. Metade do clero apoiou inclusive a “Constituição Civil do Clero” (Lei de 12.07.1790). As reformas políticas da Revolução eram apoiadas, na maior parte dos pontos. Mesmo parte significativa da “Constituição Civil do Clero” foi, depois, ratificada pela “Concordata” de 1801, entre Pio VII e Napoleão.

O apoio dos leigos católicos e de parte do Clero às reformas políticas da Revolução de 1789 deve-se a estas premissas, que exponho. São premissas implícitas no cerne da religião. A ética cristã e natural sempre busca um regime justo, uma boa sociedade, uma sociedade ordenada para o amor, para o bem comum.

O critério da universalidade (de popularidade, da “catolicidade”, da consensualidade, da generalidade) é a principal regra prática para discernir os artigos tradicionais da fé católica, tal como é um critério essencial para discernir toda verdade, em todas as proposições, em todas as ciências. Pois bem, este critério é, no fundo, a base da Tradição (Paidéia) viva na Igreja e também, como ensinou Chesterton, fundamenta antropologicamente a democracia.

A explicação é simples: as verdades práticas e essenciais da vida estão ao alcance de todos (cf. Santo Tomás, Descartes e outros), sendo luzes vistas pela razão de todos. Por isso, o governo de todos é melhor e mais sábio, ainda mais tendo em conta que o diálogo amplia as luzes da razão pessoal.

Sempre é bom recordar que “católico”, em grego, é “universal”, deixando claro o ecumenismo essencial ao catolicismo, tal como seu apreço pelo homem comum, do povo, cujas idéias devem pautar o Estado e a direção da sociedade. Papiniano, um grande jurista romano, chamava a lei de “regras dos sábios”, deixando claro que a sabedoria (as idéias boas, correlatas ao bem comum) é a fonte imediata das leis justas, adequadas ao bem comum.

No texto “Commonitorium primum”, São Vicente também ensinou, com palavras que ecoaram explicitamente no Vaticano II (e mesmo na “Liturgia das horas”), que há “progresso” (crescimento) no conhecimento religioso, ou seja, há o “crescimento de uma coisa em si mesma”. Este progresso ocorre, nas palavras deste santo, “tanto em cada um como em todos, no indivíduo como na Igreja inteira”, devendo todos crescer em “compreensão, ciência” e “sabedoria”.

O mesmo princípio geral vale para o direito natural, o conhecimento dos dogmas e o desenvolvimento das ciências, de todas as ciências, que se desenvolvem pela tradição, pelo patrimônio acumulado, pelo diálogo. Tradição significa progresso, transmissão pelo diálogo, como destacou Pio XII.

A conclusão de São Vicente (mais tarde reprisada por Newman) foi acolhida no Vaticano II: a “regra de desenvolvimento é legítima e correta. Segura e belíssima é a lei do crescimento”. Este é o mesmo sentido do evolucionismo ético de homens como Vico (1668-1744), Mably, Johann Gottfried Herder (1744-1803, autor do livro “Idéias para uma filosofia da historia da humanidade”, 1784), Turgot e de outros precursores cristãos de Condorcet e inspiradores de suas melhores idéias.