Stuart Mill e suas ideias religiosas

John Stuart Mill era deísta e isso durante toda sua vida, com ênfase no final. Suas obras póstumas expõem explicitamente seu pensamento religioso, sem deixar dúvida alguma. Este autor, que saudou os textos cooperativistas da Internacional, ensinava que a experiência e a observação da natureza levam as pessoas à crença em Deus, um Ser divino, bom, mas não “onipotente”. Mill entendia mal este conceito e fazia esta ressalta para não atribuir o mal a Deus. Se tivesse lido Santo Agostinho e Santo Tomás, saberia que a onipotência divina é limitada pelo conteúdo da inteligência divina. Deus, por ser onisciente e onipotente, por ser livre no mais alto sentido, não faz naturalmente o mal, não pratica o mal moral. Na linha de Stuart Mill, há também H.G.Wells e Georg Bernard Shaw, teístas, que achavam que Deus não era onipotente, mas era um Ser em luta pelo bem comum. 

Para Stuart, Deus, tal como as pessoas, luta para organizar o mundo de forma boa. Este ponto é também ensinado pelo catolicismo. Para Mill, a religião deve exprimir o sentimento de cooperação das pessoas com os esforços de Deus em prol do bem comum, o que, em linhas gerais, é exatamente o ensino bíblico, pois a onipotência de Deus não destrói a liberdade humana (ou dos anjos), não a viola. Por isso, a prática do bem e das boas obras significa a cooperação com Deus. O mal é o pecado, é agir irracionalmente (de forma contrária aos ditames da inteligência), infringindo os ditames da consciência tanto de Deus quanto dos seres inteligentes. O mal moral, o pecado, é agir de forma não inspirada pelos ditames da inteligência, de forma não racional (passional, no sentido pejorativo, pois a ação boa é baseada em boas paixões, em paixões em adequação com a inteligência).

O cristianismo é, para Stuart, a religião mais perfeita, inclusive por apresentar um modelo para as pessoas, na figura de Cristo, que é a imagem de Deus. A concepção sobre os limites de Deus tem seus pontos verdadeiros, como demonstro, neste blog, com bons textos de Bossuet e do padre Vieira na mesma linha, onde fica claro que Deus não se contradiz, não pratica o mal, nem peca, não escraviza e nem destrói o livre arbítrio das pessoas. A lição política é simples e boa: mesmo a onipotência divina, o poder divino, é limitado pela ética, pelos limites naturais da verdade. O mesmo vale para o poder do Estado (tal como o poder da Igreja, dos pais etc), com muito mais ênfase.

Deus tem limites de Sua própria natureza divina e inteligente. Deus está cingido às regras éticas naturais: não pode suicidar-se, nem pecar, nem mentir e nem viola a liberdade dos seres conscientes e é isso que explica o mal e até o inferno. O pecado e o inferno são a negação consciente e livre de Deus (nas palavras de Bernanos: “o inferno… é não mais amar”), o que explica tantas condutas (pecados) que maculam a sociedade. Os termos de Stuart Mill não são os mesmos usados por Santo Tomás, mas têm conteúdos semelhantes.