A Bíblia, no “Apocalipse” (cap. 22), ensina textualmente: “eles reinarão para todo o sempre”, iguais a anjos e filhos de Deus. A meta humana é ser como os anjos, mas com corpos e num universo renovado, humanizado. Em outros termos, seremos seres humanos com corpos novos, com luz, espiritualizados, mais rápidos, não passíveis de morte, de sofrimento e imortais. Há um bom texto de Trotski, sobre o “homem novo”, que segue passo a passo os textos de Santo Tomás de Aquino sobre o corpo glorioso, renovado.
A meta (finalidade) humana é a divinização (por adoção), tornando cada pessoa um filho de Deus, com participação no Poder divino. A imagem de Deus em nós deve ser ampliada e destacada, num processo eterno, dado que a bondade e o poder de Deus estão sempre além de tudo o que possamos imaginar (cf. Rm 8,29; II Ped 1,4; Col 2,10; e II Cor 3,18). O Amor transformador de Deus, o Espírito Santo, opera sempre e nunca se pode exaurir esta Fonte de santidade, de alegria, de vida.
Em outros termos, a meta humana é a imortalidade, a liberdade, uma inteligência em ascensão contínua, eterna, ampliando sempre o amor apaixonado pelo Amor. Os textos bíblicos são claros: “Apocalipse”, Isaías, Daniel, cartas de São Pedro e outros. No “Apocalipse”, há os textos de Ap 5,10; 20,4; 20,6; 22,5. No Antigo Testamento, especificamente o texto de “Daniel” (7, 18 e 27). Em Ap 5,10, este ideal futuro fica mais explícito: “Tu os constituíste reino e sacerdotes para o nosso Deus e eles reinarão sobre a terra”. Há a mesma idéia em Ap 20,4: “serão sacerdotes de Deus e de Cristo, e reinarão com Ele”. Deus, que se autodefiniu como “Amor”, é essencialmente libertador, busca aliados livres, “filhos”, e não escravos ou seres reificados.
Deus liberta a pessoa e dá plenitude ao universo. O poder divino é libertador. A natureza divina é essencialmente democrática, está aberta à união com as pessoas, mantendo e melhorando a natureza humana, sem nunca anular a subjetividade e a liberdade, ao contrário, elevando-as. Num parêntese, isso fica claro na diferença entre a possessão diabólica (que escraviza o corpo) com o êxtase, que é um diálogo afetuoso.
Da mesma forma, Deus une as pessoas numa comunhão social (comunhão mística) que respeita a subjetividade e individualidade de cada membro. Uma união onde se um membro sofre, todos sofrem; se um membro se alegra, todos se alegram. O Poder divino, o maior poder do universo, é bondoso, acata e realiza a liberdade humana e pauta-se pela razão (regras inteligentes, racionais e supra-racionaisais), visando o bem de todos. Trata-se, assim, de um poder democrático, exemplo para os poderes públicos. Deus é a Democracia Viva e Consciente.
O Plano ou “Reino divino” deve ser o espelho para a organização de uma sociedade (comunhão) plena, que assegure a liberdade e a igualdade para todos. Nas palavras de Paulo VI, na “Populorum progressio” (n. 47, de 26.03.1967), a profecia (a atividade racional e supra-racional de previsão e interpretação, ligada à esperança) e o ideal da parusia implicam no dever ético de “construir um mundo em que” todas as pessoas “possam viver uma vida plenamente humana, livre de servidões… em que a liberdade não seja uma palavra vã”, um mundo onde as pessoas sejam “artífices dos seus destinos” (n. 65, da “Populorum”).
Tal como devemos melhorar nosso ser e nossa vida pessoal, assim temos o mesmo dever em relação à vida social. Este é o espírito da ascese, da purificação, da catarse (do grego “kátharsis”, “purificação”). Este é o ideal de controle da pessoa sobre a vida pessoal e do controle da sociedade sobre a vida social. Este ideal está na Bíblia e também na Paidéia (em Pitágoras, Empédocles e em outros filósofos, como destacou bem Rodolfo Mondolfo e outros autores). O processo de catarse, purificação, melhoria, visa aprimorar a espiritualidade (santificação, perfeição, aperfeiçoamento eterno), fazer com que a razão tenha controle sobre as paixões e a vida, visa o autocontrole, o autodomínio pessoal e social.
O ideal bíblico é um ideal de democracia plena, de comunhão baseada no diálogo, no bem comum, nos direitos humanos. O ideal religioso e racional exige que todos “reinem”, que todos governem a si mesmos. A ascese é uma forma de obter o autodomínio, o auto-controle, a ordenação da pessoa para um bom convívio social, especialmente por “freqüentes exames de si mesmo”, cf. documento da Sagrada Congregação dos Seminários para os bispos brasileiros (há os mesmos conselhos nos livros de Michel Quoist, Thiamer Toth, na “Mediator Dei” de Pio XII e outros documentos).