A doutrina da Igreja, a essência do cristianismo, é pró-democracia, de uma democracia autêntica, real (cf. Pio XII), uma democracia social, cultural, econômica, popular, política e participativa.
A teoria tradicional sobre o poder, na Igreja, é a teoria da translação (cf. Heinrich Albert Rommen, 1897-1967). O padre Rommen, autor citado por Paulo VI como a principal autoridade intelectual da Igreja sobre este ponto, foi autor de obras como “O Estado no pensamento católico” e “A lei natural”. O padre Rommen combateu o nazismo. Na mesma linha de Rommen, estão os textos de grandes pensadores da Igreja, como Toniolo, o padre Júlio Maria, Alceu, Mounier, Jacques Maritain, Yves Simon, Carlyle (não confundir com o escritor do século XIX) e outros.
A teoria da translação é a teoria do bem comum. É a a teoria dos Santos Padres, de João de Salisbury (1115-1180), de Aquino, de Suarez e de milhares e milhares de outros sábios católicos.
O Concílio Vaticano II, na “Gaudium” (74-75), deixou clara esta tese, ao ensinar, na mesma linha dos melhores textos de Pio XII, nas Mensagens de Natal, que: “é plenamente consentâneo [adequado, natural, conforme] com a natureza humana que se encontrem estruturas jurídico-políticas, que ofereçam sempre melhor e sem nenhuma discriminação a todos os cidadãos a possibilidade efetiva de participar livre e ativamente tanto no estabelecimento dos fundamentos jurídicos da comunidade política, como na gestão dos negócios públicos, na determinação do campo de ação e dos fins das várias instituições, como na eleição dos governantes” (repeti o texto, já referido no capítulo atrás, pela importância do mesmo).
O critério da adequação à natureza (em geral e especificamente da natureza humana) é o critério de Aristóteles e dos estóicos, o critério presente nos textos bíblicos (de São Paulo, São Pedro e outros). Trata-se do critério humanista, dos melhores textos dos Santos Padres e da Paidéia, tal como da Bíblia. O núcleo da ética cristã ensina que há o bem e o mal e que a razão tem o poder de gerar idéias que distinguem o bem do mal. A consciência tem o poder, pela luz natural da razão discursiva, de gerar idéias práticas autênticas e verdadeiras que, postas em práticas, protegem, conservam e melhoram o bem comum. O próprio conceito de “bem” mostra isso, porque, tradicionalmente (como fica claro nos textos de Agostinho, do Pseudo-Dionísio e dos outros luminares da Igreja), o “bem” é a perfeição, é a realização da natureza.
O bem é a proteção, conservação e melhoria da natureza em geral e da natureza humana em especial. O bem é a idéia central da ética cristã, sendo compreendido, sempre, como “bem comum”, que é o “bem geral” (o bem de cada pessoa, de cada família, da sociedade e da criação em geral, da natureza em geral). Uma conduta ou ato estatal ou social é boa se estiver em adequação com o bem geral. O modo humano de gerar idéias práticas em adequação ao bem geral é ouvir todas as pessoas, todas as partes interessadas, é o modo democrático, de dar a toda pessoa uma participação no poder. Como ensinou Pio XII, num texto que está mais adiante, o governo democrático é o governo em adequação à natureza humana, o mais conforme à dignidade (perfeição, realização) da natureza humana. A natureza humana é política, social, pessoal, comunitária (propensa à comunhão), participativa, dialógica. O governo humano adequado à estrutura humana é o governo democrático e participativo.