Balmes e Cathrein – o Estado é natural, nasce corretamente pelo consenso, diálogo, democracia

O grande padre Jaime Balmes, em seu livro “O protestantismo comparado com o catolicismo” (Porto, 1876, vol. III, p. 223), ensinava:

“Suponhamos que o número considerável de famílias, e de todo iguais entre si e inteiramente independentes umas das outras, são arrojadas a uma ilha deserta. A embarcação soçobrou, não há esperança nem de voltar ao ponto donde saíram, nem de chegar ao outro onde se encaminhavam. Toda a comunicação com o resto dos homens se lhes tornou impossível. Perguntamos: essas famílias podem viver sem governo? Não. Algumas delas terá o direito a governar as outras? Claro que não. Algum indivíduo poderá ter semelhante pretensão? É evidente que não. Terão direito a instituir esse governo de que precisam? É certo que sim: logo, naquela multidão representada pelos pais de família ou doutra maneira, reside a potestade civil com o direito de ser transmitida a uma ou mais pessoas conforme se julgar conveniente”.

Balmes explicava e ensinava a teoria da delegação, a mais antiga na Igreja, como ensinou o Padre Rommen. Assim como a pessoa ordena e planeja a própria vida pela razão natural, a sociedade elabora as regras sociais positivas para reger o convívio social. Estas regras nascem da consciência social, formada pela união das consciências pessoais, do povo, pelo diálogo, mediante as palavras (destacadas por Bonald, tal como por Lamennais). Por isso, Balmes ensinava, no livro “Miscellânea” (Porto, Livraria Internacional, 1877, p. 114, do texto “a força do poder”), que o poder público deve ser sempre limitado “pela moral, pelos costumes, pela consciência pública”, ou seja, pelas ideias práticas do povo, devendo o Estado estar sob o controle do povo organizado.

No mesmo sentido, o padre Victor Cathrein, no livro “Filosofia del Derecho” (Madrid, Editorial Reus, 1950, p. 142/143), ensinava as mesmas teses sobre a naturalidade do Estado e sua subordinação à “consciência jurídica geral” da sociedade:

O Estado é uma formação social natural (…). O fundamento interno deste fenômeno está nas necessidades e tendências da natureza humana, que apenas no Estado podem encontrar satisfação. Sem uma ordem política (…) logo seria desatada a luta de todos contra todos, e não se poderia atender à conservação da existência, nem menos ainda ao aperfeiçoamento do ser humano. (…) o Estado é uma exigência necessária da razão, tudo o que diz respeito à natureza do Estado deve ter condição idêntica (…).  Há, certamente, uma consciência jurídica geral; esta… é a… fonte do Direito,… é já um verdadeiro e próprio Direito” (ou seja, as ideias práticas do povo formam o Direito natural, ao qual o Estado deve ser adequar, expressar, concretizar, detalhar, completar, proteger etc).

A sociedade e o Estado, tal como o ordenamento jurídico positivo, nascem de forma tão natural como a união de três ou quatro crianças, que se reúnem e elaboram regras para o convívio social de forma benéfica a todos. As regras jurídicas positivas e sociais são como as regras elaboradas pelas crianças para as brincadeiras. São como as regras de proteção mútua, de partilha de doces ou do tempo, engendradas pelas crianças, ao conviverem, brincando. Do mesmo modo que as crianças elaboram regras racionais e justas para ordenar seu convívio, assim as pessoas reúnem-se em sociedade e, naturalmente e racionalmente, elaboram leis positivas e escolhem agentes públicos para servir ao convívio social racional e pacífico.