As paixões são boas, em si mesmas, feitas por Deus

São Tomás, na linha de Aristóteles, lista onze paixões, sendo a principal o Amor. Deus e os Anjos são serem apaixonados, pois se movem principalmente pelo Amor, sendo o próprio Deus o Amor vivo, consciente. Não há Ser tão apaixonado como Deus. 

Jackson de Figueiredo, no livro “A coluna de fogo”, lembrava o ensino da “filosofia tomista”: “deu-nos a Providência a paixão irascível precisamente para resistir ao mal”. Como o mal é a “ausência do bem devido” (como foi demonstrado por Santo Agostinho na discussão com os maniqueus), “resistir ao mal” significa conservar, proteger e promover o bem geral, comum, o bem mais geral e difuso que pudermos. A ira de Deus é o impulso de Deus contra o mal, a luta de Deus pelo bem comum, pela redenção do universo, pela melhoria do universo.  

A “paixão irascível” (indignação, ira etc diante do mal) foi feita para a luta em prol do bem comum. A “paixão da concupiscência” (o que não trata só sobre os prazeres) foi implantada no corpo por Deus para que as pessoas tenham prazeres constantes, moderados e racionais (no fundo, o ideal do próprio Epicuro, tal como do eudemonismo de Aristóteles). Epicuro e Demócrito eram religiosos, especialmente o grande Demócrito, diga-se de passagemPor isso, Deus implantou o prazer sexual para que tivéssemos prazer na união amorosa com nosso par, na geração de filhos, na manutenção da família etc. Como explicou São Tomás, na Suma Teológica, no tratado sobre o casamento, haveria mais prazer nas relações sexuais se não tivesse havido o pecado original. Os pecados não trazem prazer, e sim diminuem. O amor é o principal intensificar do prazer. O velho Sade estava profundamente errado, ao buscar o prazer longe de Deus, pois é Deus o criador do prazer. O prazer da alimentação é essencial para a sobrevivência (para a boa alimentação) do corpo e assim por diante. A Igreja não despreza o prazer, apenas exige que este seja pautado pela razão e pelo bem comum, as mesmas regras aplicáveis ao poder público.

As paixões e afetos, desde que racionais e sociais, são boas e queridas por Deus, como também ensinou Descartes, em sua última e linda obra, o “Tratado das paixões”. Em 1880, Leão XIII foi bem conciso: “grande é, com efeito, a força do exemplo e maior ainda o poder da paixão”. Por isso, os grandes santos eram pessoas apaixonadas, com fortes paixões, mas regidas pela razão e pelo bem comum.

A teologia moral ensina, assim, que existem as boas paixões (os bons afetos e emoções, em harmonia com a razão, com o bem comum) e as más paixões. Na mesma linha, Aristóteles ensinava, na “Poética” (n. 1449), que a boa arte produz a purgação das paixões, a purificação dos afetos (sublimação dos instintos, nos termos de Freud, neste ponto com influência aristotélica), que é, no fundo, a ordenação racional e social (regras que expressam as exigências do bem social) dos afetos, como ensinava Santo Inácio, em seus exercícios espirituais. O elogio da natureza, a principal mediação da ação de Deus, faz parte das entranhas de correntes como o romantismo, a homeopatia e hidropatia (neste ponto, ver as antigas e boas obras de Monsenhor Sebastião Kneipp).