Diderot, teísta, seguia a doutrina da Igreja sobre a origem popular do poder, do Estado

A doutrina tradicional da Igreja foi também repetida e ensinada por Denis Diderot (1712-1784), quando era católico, no verbete “autoridade política”, na “Enciclopédia”, com autorização da Igreja. Diderot escreveu:

Nenhum homem recebeu da natureza o direito de comandar os outros. A liberdade é um presente do Céu, e cada indivíduo da mesma espécie tem o direito de desfrutá-la assim como desfruta da razão. (…). O verdadeiro e legítimo poder tem, pois, necessariamente, limites. Por isso, a Escritura nos diz: “que vossa obediência seja racional”, “sit rationabile obsequium vestrum” (cf. São Paulo, “Carta aos Romananos, 12,1). “Todo poder que vem de Deus é um poder regrado”, “omnia potestata a Deo ordinata est” (cf. Rom 13,1). Pois é assim que cumpre entender essas palavras, conformemente à reta razão e ao sentido literal, e não de conformidade com a interpretação da baixeza e da lisonja, que pretendem que todo poder, qualquer que seja ele, vem de Deus”.

Na seqûência, Diderot ilustra a tese, lembrando “o poder do Anticristo será ele legítimo? Este será, no entanto, um grande poder”. E repete: “todo poder vem de Deus” e “cessa de sê-lo desde que sai dos limites que a razão lhe prescreveu, e que se desvia das regras” postas por Deus na razão.

Diderot repetia e reprisava o ensinamento de Santo Tomás de Aquino, que ensinava que o direito natural é o conjunto das regras racionais para o bem comum, que deve pautar o poder. Diderot sintetizava a doutrina da Igreja, dizendo: “todo poder é de Deus somente na medida em que é justo e regrado” (texto colhido do livro “Diderot”, obras coletadas por J. Guinsburg, São Paulo, Ed. Perspectiva, 2000, p. 257). Diderot terminou a vida como “panteísta” (ou panenteísta), tendo alguma crença em Deus, como discípulo de Sêneca, que foi um estóico praticamente cristão. Voltaire foi mais feliz, pois terminou a vida reconciliando-se com a Igreja. Rousseau, Diderot, D`Alembert, Voltaire, Robespierre, Marat, Mably, nenhum destes grandes autores eram ateus. 

Frise-se que Diderot ganhou fama de socialista porque a obra de um padre, um abade, o abade Morelly, “O Código social” (1755), foi, por décadas, atribuído a Diderot, de forma errada. Era obra de um padre. Diderot não era pró capitalista, pois como o padre Galiani e outros, defendia a intervenção do Estado na economia, numa linha parecida com Mably, inclusive elogiando a obra de Colbert, as estatais criadas por Colbert. Diderot e Voltaire criticaram a teoria fisiocrática que exaltava o mercado. O velho Diderot, no final da vida, tornou-se discípulo de Sêneca, estóico meio panteísta, encontrando tempo para criticar os erros capitalistas dos fisiocratas e de Helvetius, numa linha bem próxima da ação da Igreja contra o capitalismo, nestes tempos.