Boas propostas reforma Justiça criminal, por Juarez Cirino

O grande jurista criminal, Dr. Juarez Cirino, listou boas propostas para reforma da Justiça Criminal, no Brasil, com as quais concordo.

1. Propostas de redução do sistema de justiça criminal

1.1. Descriminalização. O programa de descriminalização da

Criminologia crítica é o seguinte:

Primeiro, a descriminalização é indicada em todas as hipóteses (a) de

crimes punidos com detenção, (b) de crimes de ação penal privada, c) de

crimes de ação penal pública condicionada à representação e (d) de crimes

de perigo abstrato – sob os seguintes fundamentos: a) violação do princípio

de insignificância, por conteúdo de injusto mínimo, desprezível ou

inexistente; b) violação do princípio de subsidiariedade da intervenção

penal, como ultima ratio da política social, excluída no caso de suficiência de meios não-penais; c) violação do princípio de idoneidade da pena, que

pressupõe demonstração empírica de efeitos sociais úteis, com exclusão da

punição no caso de efeitos superiores ou iguais de normas jurídicas

diferentes; d) violação do primado da vítima, que viabilizaria soluções

restitutivas ou indenizatórias em lugar da punição.

Segundo, a descriminalização é indicada nos crimes sem vítima, como o

auto-aborto (art. 124, CP), o aborto consentido (art. 125, CP), a posse de

drogas (art. 16, L. 6368/76) e outros crimes da categoria mala quia

prohibita, sob os seguintes fundamentos: a) violação do princípio de lesão

de bens jurídicos individuais definíveis como direitos humanos

fundamentais; b) violação do princípio de proporcionalidade concreta da

pena, porque a punição agrava o problema social, ou produz custos sociais

excessivos, em condenados das classes sociais subalternas, objeto exclusivo

da repressão penal.

Terceiro, a descriminalização é indicada nas hipóteses de crimes

qualificados pelo resultado, como a lesão corporal qualificada pelo

resultado de morte (art. 129, § 3o, CP), sob o fundamento de violação do

princípio de responsabilidade penal subjetiva, como imputação de

responsabilidade penal objetiva originária do velho versari in re illicita do

direito canônico, incompatível com o Estado Democrático de Direito.

Quarto, a descriminalização é indicada nas hipóteses do direito penal

simbólico, especialmente em crimes ecológicos e tributários, substituídos

por ilícitos administrativos e civis dotados de superior eficácia instrumental

e social.

1.2. Despenalização. As propostas de despenalização do programa de

reforma penal da Criminologia crítica são as seguintes:

a) primeiro, extinguir o arcaico sistema de penas mínimas previsto em

todos os tipos legais de crimes, abolido em legislações penais modernas por

violar o princípio da culpabilidade e contrariar políticas criminais

humanistas: a) viola o princípio da culpabilidade em casos de necessária

fixação de pena abaixo do mínimo legal – por circunstâncias judiciais ou

legais –, hipóteses em que a pena é ilegal, porque não constitui medida da

culpabilidade; b) contraria políticas criminais humanistas fundadas nos

efeitos desintegradores, dessocializadores e criminogênicos da prisão;

b) segundo, reduzir a pena máxima de todos os tipos legais de crimes

subsistentes, inspirados em concepção de política criminal troglodita

anterior a Beccaria, que somente atribuía poder desestimulante do crime à

certeza da punição – e não à gravidade da pena, como ainda pensa o

legislador brasileiro;

c) terceiro, as hipóteses de substitutivos penais ou de extinção da

punibilidade devem ser redefinidas na direção da mais ampla

despenalização concreta, com o objetivo de evitar os efeitos negativos do

cárcere, com ênfase nos seguintes institutos jurídicos: a) o perdão judicial;

b) a conciliação; c) a transação penal; d) a suspensão condicional da pena;

e) a prescrição, mediante (a) redução dos prazos de prescrição da

pretensão punitiva, de natureza arbitrária, (b) desconsideração das causas

de interrupção da prescrição retroativa, impossíveis em processos mentais

retrospectivos baseados no fluxo imaginário do tempo e (c)

institucionalização legal da prescrição retroativa antecipada, por razões de

economia processual e de pacificação social; e) extensão legal, por

interpretação analógica in bonam partem, da extinção da punibilidade dos

crimes tributários pelo pagamento, aos crimes patrimoniais comuns nãoviolentos,

nos casos de ressarcimento do dano ou de restituição da coisa;

e) quarto, a despenalização parcial é indicada na hipótese dos crimes

hediondos (Lei 9.072/90), mediante cancelamento da ilegal agravação dos

limites penais mínimo e máximo dos crimes respectivos, sob os seguintes

fundamentos: a) violação do princípio da resposta penal não contingente,

pelo qual a lei penal deve ser resposta solene a conflitos sociais

fundamentais, gerais e duradouros, com debates exaustivos do Poder

Legislativo, partidos políticos, sindicatos e outras organizações da

sociedade civil; b) violação do princípio de proporcionalidade abstrata, em

que a pena deve ser proporcional ao dano social do crime.

2. Propostas de humanização do sistema penal

2.1. Em primeiro lugar, é indispensável e urgente despovoar o sistema

carcerário mediante radical descarcerização realizada por ampliação das

hipóteses de extinção, de redução ou de desinstitucionalização da execução

penal, em especial nos seguintes casos:

a) promover, em todas as modalidades de livramento condicional, a

redução do tempo de cumprimento de pena, pela natureza arbitrária dos

prazos legais, assim como a extinção dos pressupostos gerais subjetivos de

comportamento satisfatório e de bom desempenho no trabalho, por sua

natureza idiossincrática e arbitrária;

b) reformular a remição penal mediante redução da equação de 3

dias/trabalho = 1 dia/pena para 1 dia/trabalho = 1 dia/pena, pela carência

de fundamento científico do critério legal, por um lado, e admissão de

equivalência entre trabalho produtivo e trabalho artesanal para efeito de

remição penal, no caso de inexistência de trabalho produtivo ou

equivalente na instituição penal, por outro (art. 126 e §§, LEP);

c) revitalizar o regime aberto, mediante ampliação do limite da pena

aplicada para concessão do benefício – de 4 (quatro) para 6 (seis) ou 8

(oito) anos, por exemplo –, com correspondentes alterações nos regimes

semi-aberto e fechado (art. 33, §2o, a, b, c, CP), para evitar os efeitos

negativos da prisão, além da economia de custos;

d) acelerar a progressão de regimes na execução da pena, mediante

redução do tempo mínimo de cumprimento de pena no regime anterior –

de 1/6 (um sexto) para 1/10 (um décimo) ou 1/12 (um doze avos) da pena,

por exemplo –, tendo em vista a natureza arbitrária desses limites mínimos,

além de reduzir os efeitos negativos da prisão, por um lado, e excluir o

requisito subjetivo de bom desempenho no trabalho (art. 112, LEP)

igualmente por sua natureza arbitrária e idiossincrática, por outro.

2.2. Em segundo lugar, garantir o exercício de direitos legais e

constitucionais do condenado, como forma de compensação oficial pela

injustiça das condições sociais adversas, insuportáveis e insuperáveis da

maioria absoluta dos sujeitos selecionados para criminalização pelo sistema

penal, mediante prestação dos seguintes serviços públicos: a) instrução

geral e profissional, como condição de promoção humana; b) trabalho

interno e externo, como condição de dignidade humana; c) serviços

médicos, odontológicos e psicológicos especializados, como condição de

existência humana.

2.3. Em terceiro lugar, revogar o execrável regime disciplinar diferenciado

da Lei 7.210/84, com a redação da Lei 10.792/03, que viola o princípio de

humanidade e os princípios constitucionais de dignidade do ser humano e

de proibição de penas cruéis.

Essas propostas da Criminologia crítica podem servir de base para um

projeto democrático de reforma da legislação penal brasileira, com

imediata e necessária redução do genocídio social produzido pelo sistema

penal, instituído para garantir uma ordem social desigual e opressiva

fundada na relação capital/trabalho assalariado. Mas é impossível concluir

sem dizer o seguinte: a Criminologia crítica também sabe que a única

resposta para o problema da criminalidade é a democracia real, porque

nenhuma política criminal substitui políticas públicas de emprego, de

salário digno, de moradia, de saúde e, especialmente, de escolarização em

massa – infelizmente, impossíveis no capitalismo.