“O sujeito da autoridade política é o povo”, “detentor da soberania” – João Paulo II, na “Centesimus”, n 46

João Paulo II, na “Centesimus” (n. 46), resumiu bem a concepção (“noção”, teoria) política e jurídica da Igreja: “o sujeito da autoridade política é o povo, considerado na sua totalidade como detentor da soberania”.

O povo é o “detentor” imediato do poder, a causa eficiente, imediata, do poder. Rousseau iria amar este texto do Papa, escrito em 01.05.1991, que ratifica as melhores idéias da Tradição da Igreja, do Povo Hebraico e da Paidéia.

O “povo” é o “sujeito da autoridade política”. O povo é o “detentor” natural “da soberania”, nas palavras do grande Papa João Paulo II. Esta proposição decorre de várias outras proposições-chaves das ideias do cristianismo sobre o poder e o direito. No fundo, estas palavras de João Paulo II são uma síntese-recapitulação do melhor dos textos católicos sobre o poder público, com base na Tradição hebraica-semita e no melhor da Paidéia.

O texto da “Centesimus” (01.05.1991) é uma continuação da Tradição, uma continuação principalmente da linha da “Rerum Novarum”, tal como da “Diuturnum Illud” da “Immortale Dei”. A “Centesimus” foi escrita em primeiro de maio de 1991, cem anos após a publicação da “Rerum Novarum”, em 01.05.1891.

A “Centesimus” é parte da comemoração do centenário da “Rerum Novarum” de Leão XIII. O texto da “Centesimus” apenas reprisa (reedita, recapitula) a linha da Patrística, da Escolástica, de Bento XIV, de Pio VII, de Leão XIII, tal como o teor da “Mensagem de Natal” de 24.12.1944 de Pio XII. Reprisa também a doutrina social e política da Tradição hebraica-semita e da Paidéia, pois estas suas fontes foram recepcionadas pela Igreja, numa síntese que é a base humana do cristianismo.

A “Centesimus” também repete e recapitula a linha do Vaticano II, da “Gaudium et Spes” (n. 29), a linha do grande João XXIII, que foi mantida por Paulo VI. No fundo, este texto da “Centesimus” é um elo da corrente mais que milenar da doutrina social e tradicional da Igreja, sobre o poder público.

A corrente democrática da Igreja está na Tradição semita-hebraica, no melhor da Paidéia, em Cristo e nos Apóstolos, na Patrística, na Escolástica, no abade de Saint-Pierre, em Fenelon, Montesquieu, Mably, o bispo Gregório, François Chateaubriand, Manzoni, Ozanam, Tocqueville, Acton, Buchez, Lacordaire, Montalembert, Dupanloup, Ketteler, Lamennais, Vitor Hugo e outros grandes católicos. Esta Tradição foi simplesmente ratificada pela “Centesimus”.

Católicos como Voltaire, Lamennais e Vitor Hugo teriam se ajoelhado quando lessem a “Centesimus”. A “Centesimus” deixa clara a ligação entre catolicismo e democracia popular. Voltaire, antes de falecer, em Paris, reconciliou-se com a Igreja, fazendo a confissão geral etc e, com certeza, alegrou-se, onde estiver, pelo texto desta Encíclica. Voltaire viveu 78 anos e só foi maçon por uns oito meses, sendo católico a vida toda, tendo morrido com extrema unção e enterro católico. 

As melhores idéias de Voltaire, Rousseau, Diderot e outros são baseadas nas melhores idéias do cristianismo e foram ratificadas pela “Centesimus”. O melhor do Iluminismo apenas explicita as melhores idéias já expressas por vários Papas, inclusive Bento XIV, um Papa elogiado por Voltaire. Os maiores iluministas foram alunos dos Jesuítas e isso não foi coincidência.

O Papa João Paulo II, na “Centesimus”, explicou o que é já era sabido por milhões de católicos, que “a Igreja valoriza altamente o sistema da democracia” porque é o regime que “assegura a participação dos cidadãos nas opções políticas e garante aos governados a possibilidade” “de escolher e controlar os próprios governantes” e “de os substituir pacificamente, quando tal se torne oportuno”.

A democracia é o regime que mais se adequa à dignidade humana, como destacou corretamente Pio XII, na Mensagem de Natal de 1944. A democracia é o regime que é mais conforme à natureza humana e à natureza em geral, pelas palavras do Vaticano, estando esta lição nos melhores textos do Concílio Vaticano II.

A democracia é a realização objetiva do bem comum. Pode haver repúblicas e monarquias democráticas, frise-se. O ponto principal é que os interesses, necessidades e ideias do povo devem ser atendidas pelo Estado, pelo governo, pelo Judiciário, pelo Parlamento.