A sabedoria nasce em cada pessoa, em cada povo, sendo fonte do bem comum. O poder nasce do povo.

O cristianismo iniciou sua difusão efetiva pela Síria. Por Damasco (cidade perto de Nazaré, que pode ter sido o lugar do “caminho de Damasco”), Antioquia, Tarso, Edessa e outras cidades, banhadas pela cultura persa e estóica. Antioquia era a ligação principal com a China (foram encontradas cerâmicas chinesas em Antioquia), era a cidade-elo da rota da seda, que passa pela Pérsia, pela Índia e vai até perto de Pequim, na China. O caminho que passa pela Sogdiana, indo para a parte oeste da China e daí, pelos rios Azul e Amarelo, até toda a China, onde o cristianismo penetrou, especialmente na forma do nestorianismo. 

A Índia e a Suméria (região Mesopotâmia, de Babilônia, Ur e outras) tinham relações de comércio e culturais bem antigas, com provas arqueológicas destas relações antes de 2.000 a.C. Na “era axial”, boa parte da antiga Índia, que fica hoje no Afeganistão e no Paquistão, esteve sob o governo persa, por 180 anos. A cultura persa teve enorme influência na Índia, e dentro da cultura persa haviam elementos da cultura hebraica, semita. 

João Paulo II descreveu, na “Fides et ratio” (“Fé e razão”), a evolução da ética, tanto nos textos hebraicos, gregos, persas, chineses, hindus, budistas etc:

O que chega a ser objeto do nosso conhecimento, torna-se por isso mesmo parte da nossa vida. A recomendação “conhece-te a ti mesmo” [máxima de Sócrates] estava esculpida no templo de Delfos, para testemunhar uma verdade basilar que deve ser assumida como regra mínima de todo o homem que deseje distinguir-se, no meio da criação inteira, pela sua qualificação de “homem”, ou seja, enquanto “conhecedor de si mesmo”. Aliás, basta um simples olhar pela história antiga para ver com toda a clareza como surgiram simultaneamente, em diversas partes da terra animadas por culturas diferentes, as questões fundamentais que caracterizam o percurso da existência humana: Quem sou eu? Donde venho e para onde vou? Porque existe o mal? O que é que existirá depois desta vida?”.

Além da difusão cultural, houve o “surgimento”, praticamente “simultâneo, em diversas partes da terras”, em diversas “culturas diferentes”, de idéias semelhantes.

O papa, na encíclica referida, faz menção explícita aos Vedas (o texto base do hinduísmo), ao Avesta, a Confúcio, a Lao Tze (criador do taoísmo), a Tintankara, Buda, Sófocles e outros:

Estas perguntas encontram-se nos escritos sagrados de Israel, mas aparecem também nos Vedas [o texto basilar do hinduísmo] e no Avestá [o texto central do zoroastrismo, do mazdeísmo ou mitraísmo, da Pérsia antiga]. Nós a achamos tanto nos escritos de Confúcio e Lao-Tze, como na pregação de Tirtankara e de Buda. Assomam ainda quer nos poemas de Homero e nas tragédias de Eurípides e Sófocles, quer nos tratados filosóficos de Platão e Aristóteles”.

As idéias verdadeiras são correlatas ao bem comum e ajudam a tornar “cada vez mais humana” a “existência” humana. Estas idéias verdadeiras são o núcleo do que se convencionou chamar de “filosofia”:

São questões que têm a sua fonte comum naquela exigência de sentido que, desde sempre, urge no coração do homem: da resposta a tais perguntas depende efetivamente a orientação que se imprime à existência.

Variados são os recursos que o homem possui para progredir no conhecimento da verdade, tornando assim cada vez mais humana a sua existência.

De entre eles sobressai a filosofia, cujo contributo específico é colocar a questão do sentido da vida e esboçar a resposta: constitui, pois, uma das tarefas mais nobres da humanidade.

O termo filosofia significa, segundo a etimologia grega, “amor à sabedoria”.

O elogio da sabedoria divina e humana, dispersa e presente em todos os povos, está nos textos mesopotâmicos, sumérios e também na cultura do Egito. Também está na Bíblia, como fica claro em Salomão. O apreço à sabedoria, a busca da sabedoria, é a filosofia. Esta nasceu em todos os povos, num movimento de “complementariedade das diferentes culturas”. Vejamos João Paulo II, na continuação do texto referido acima, da “Fides et ratio”:

Efetivamente a filosofia nasceu e começou a desenvolver-se quando o homem principiou a interrogar-se sobre o porquê das coisas e o seu fim. Ela demonstra, de diferentes modos e formas, que o desejo da verdade pertence à própria natureza do homem. Interrogar-se sobre o porquê das coisas é uma propriedade natural da sua razão, embora as respostas, que esta aos poucos vai dando, se integrem num horizonte que evidencia a complementaridade das diferentes culturas onde o homem vive. A grande incidência que a filosofia teve na formação e desenvolvimento das culturas do Ocidente não deve fazer-nos esquecer a influência que a mesma exerceu também nos modos de conceber a existência presentes no Oriente”.

O texto da “Fides et ratio”, de João Paulo II, mostra que nas diversas culturas há um fio comum, uma fonte comum, uma filosofia natural, geral (um conjunto de idéias transmitidas pela tradição, uma herança cultural viva), que deve inspirar as “legislações”, as regras para “regular a vida social”.

A sabedoria brota em cada pessoa, em cada povo, como prova o livro da “Sabedoria”, na Bíblia, ponto que João Paulo II explica do seguinte modo:

Na realidade, cada povo possui a sua própria sabedoria natural, que tende, como autêntica riqueza das culturas, a exprimir-se e a maturar em formas propriamente filosóficas. Prova da verdade de tudo isto é a existência duma forma basilar de conhecimento filosófico, que perdura até aos nossos dias e que se pode constatar nos próprios postulados em que as várias legislações nacionais e internacionais se inspiram para regular a vida social”.

O fluxo de idéias, a fonte de novas idéias, é a a consciência, gerando, em interação com as demais consciências e com a natureza, um fluxo com conteúdos comuns, um conjunto de verdades fundamentais, de idéias verdadeiras, teóricas e práticas, nascidas na consciência, na razão, de cada pessoa, assumindo “formas” diversas e variáveis no tempo, mas tendo um núcleo comum, um conjunto de idéias verdadeiras correlatas ao bem comum. Conclusão: o bom poder, o bom Estado, nasce das ideias práticas do povo, da sabedoria de cada povo.