Maritain e Alceu – o Estado é uma construção humana, boa se controlada pelo povo

Jacques Maritain, no livro “Humanismo integral” (5ª. edição, São Paulo, Ed. Companhia Editora Nacional, 1965, p. 88), também explicou as teses políticas da Igreja, de forma cristalina:

As estruturas sociais, as instituições, as leis, e os costumes, a organização econômica e política são coisas humanas, (…) e assim como diversas obras do homem, saem [são criações humanas] elas do homem (…). Podem ser medidas pela justiça e o amor fraternal” [ou seja, são medidas, no tocante à legitimidade, pelo critério do bem comum].

O direito positivo, os costumes, as estruturas sociais, econômicas, políticas, culturais, tal como as situações jurídicas constituídas (os direitos subjetivos positivos concretos), nascem da mesma forma como nascem as demais produções humanas. Têm a mesma origem que as casas, as estruturas arquitetônicas, as obras literárias, os objetos artísticos, os produtos culinários, os bens econômicos etc, como destacou Aristóteles. O mesmo vale para os sistemas econômicos, são bons, se atendem ao bem comum, se promovem vida simples, abundante e plena, para todas as pessoas. 

O direito e a política, tal como as demais ciências e artes, são frutos da inteligência (das idéias), do trabalho (execução das idéias) e da natureza. Estes fatores (trabalho inteligente e natureza), por sua vez, são outras criações do bom Deus. Por isso, o Estado legítimo é como uma casa construída. Pode ser bom ou mau, na medida em que atende ou não ao bem comum, ao bem das pessoas e da sociedade. Da mesma forma, como uma ferramenta de aço, pode ser mal ou bem utilizada. A adequação da estrutura e a utilização da estrutura devem servir ao bem comum.

A concepção política cristã adota uma forma de culturalismo jusnaturalista. Com base no conceito amplo de cultura, ensina que o direito positivo, as instituições públicas e particulares, as estruturas sociais e econômicas, as formas sociais de trabalho, tudo isso são produtos culturais, produtos do trabalho inteligente e associado sobre a natureza.

No mesmo sentido, Hegel chamava de “espírito objetivo” as estruturas religiosas, morais, a arte, o direito, o Estado, a economia etc, dando prioridade à ética e à religião, ponto que Croce destacou para provar que Hegel não era totalitário ou absolutista e que o hegelianismo não poderia fundamentar as idéias fascistas. No entanto, também é verdade que Hegel redigiu vários textos de quase idolatria do Estado (“deificação do Estado”, cf. Alceu), especialmente nos livros “Lições sobre a filosofia da História” e “Filosofia do Direito”. Gans, sucessor de Hegel, depurou melhor o hegelianismo e soube apreciar a democracia, com uma interpretação mais cristã do legado de Hegel. O velho Hegel, se vivesse hoje, seria favorável a um grande Estado social do bem estar social, democrático. E nisso, Hegel é profundamente cristão. 

O Estado é também apenas um “meio”, como “todos os bens criados” devem ser vistos “como simples meios” (cf. Pio XI, na “Quadragésimo anno”), visando a fins sociais (cf. Ihering, Renner, Josserand e, antes, Santo Tomás e Aristóteles). O Estado está sujeito ao “plano divino” (finalidades), que se manifesta pela “reta [correta, verídica] razão”, pelas exigências da razão, presentes em todas as pessoas, logo, no povo, que são também as “exigências do bem comum” (cf. art. 5º. Da “Lei de introdução ao código civil”, Lei n. 4.657/1942), da natureza humana, da dignidade humana.

O Estado legítimo é um meio (uma forma, uma ferramenta) de realização da pessoa,do povo, com todas suas potencialidades. O Estado será legítimo (bom) se atender às finalidades (planos, aspirações, ideais, interesses legítimos, necessidades reais) da sociedade (fins sociais), do povo, das pessoas. No mesmo sentido, Kennedy (católico), em 1962, destacava que a democracia baseia-se na “crença de que o Estado é o servidor do cidadão, e não o seu senhor”.

As idéias de soberania da sociedade, do povo (de autodeterminação) estão presentes na concepção jusnaturalista, tanto na Paidéia quando nos melhores institutos do direito romano (como destacou Rousseau, no livro “O contrato social; tal como Montesquieu, em suas obras). Estão também nas melhores idéias bíblicas, na tradição cultural hebraica; nos textos dos Santos Padres que combinaram as idéias hebraicas com as idéias da Paidéia; foram explicitadas nos textos dos grandes juristas da Idade Média (ligados às cidades-estados); no livro “Policraticus”, de John de Salisbury, lá por 1160; na Carta Magna de 1215; nos parlamentos medievais das cidades, das regiões e dos países; nas estruturas das cidades; nos textos de Santo Tomás de Aquino, de Marsílio de Pádua, Dante, Marsílio e em outros documentos, como será demonstrado.