Engels elogiou o cristianismo como fator democrático e popular na história

Engels, nos textos que deixou para a redação do “Anti-Dühring” (que colhi no livro “Frederico Engels, Obras filosóficas”, México, Ed. Fondo de Cultura Económica, 1986, p. 645), tratou corretamente da relação entre “igualdade e justiça”:

“Igualdade, justiça. A idéia de que a igualdade é a expressão da justiça, o princípio da ordem político ou social perfeita, surgiu por uma via totalmente histórica. Esta idéia não existia nas comunidades naturais [há milhares de anos], ou só de um modo muito limitado, para o membro com plenitude de direitos de uma só comunidade, e entranhava a escravidão. O mesmo ocorria na democracia antiga [gregas etc]. A igualdade de todos os homens, gregos, romanos, bárbaros, livres e escravos, membros do Estado e estrangeiros, cidadãos e clientes etc, não só era, para uma cabeça antiga, disparatado, senão, além disso, criminoso; e seus primeiros inícios nasceram consequentemente com o cristianismo. No cristianismo [aparece] pela primeira vez a igualdade negativa de todos os homens ante Deus como pecadores, e, no sentido estrito, a igualdade de um e outro como filhos de Deus, redimidos pela Graça e o sangue de Cristo. Estas concepções aparecem fundadas no papel do cristianismo como religião dos escravos, dos desterrados, dos proscritos, dos perseguidos, dos oprimidos”.

Na seqüência do texto, Engels menciona como outro marco para a democratização – “a aparição das cidades” na Idade Média, a partir de 1.050, após uma pausa na barbárie. O movimento das comunas representou o reaparecimento das idéias democráticas cristãs em combinação com idéias democráticas do germanismo e também da Paidéia. Nas cidades, existiam estruturas democráticas de governo, eleições, universidades com postos eletivos, ordens onde toda a estrutura era eletiva etc.

Engels constatou que os “primeiros inícios” da idéia de “igualdade de todos os homens” vem do cristianismo. Estas idéias reaparecem, mais tarde, no movimento das comunas e na Guerra dos Camponeses. Há um certo exagero, pois ideias boas aparecem normalmente nascidas da razão natural, mas o cristianismo as frisou, foi mais enfático, e nisso Engels está certo. E há a mesma lição em Lenin, como será mostrado em outra postagem. 

O mesmo Engels admite que o socialismo nasce destas idéias, pois, com as cidades, “necessariamente tinham que ir iluminando-se pouco a pouco o postulado da igualdade como condição da existência civil, derivando-se daí a igualdade proletária de conseqüências, transladada da igualdade política à igualdade social. Em forma religiosa, isto se manifesta pela primeira vez, claramente, na guerra dos camponeses”, com Thomas Munzer, que adotava idéias do cristianismo primitivo e jusnaturalistas (ponto que explano mais adiante). Friso, corrigindo Engels, que um pouco antes de Munzer, há as idéias democráticas e socialistas de Santo Tomás Morus.

Assim, segundo Engels, a idéia de igualdade fundamental brota do cristianismo. Há certa imprecisão, pois estas idéias estavam, de forma embrionária, nas melhores idéias da Paidéia e do judaísmo e, dali, no prisma humano, foram recepcionadas pelo cristianismo. O papel de Rousseau foi apenas ter reconhecido esta igualdade de forma mais “nítida”. Os maiores anarquistas (Proudhon, Bakunin, Kropotkin e outros) também elogiaram o movimento das comunas nos séculos XI, XII e XIII, movimentos que tiveram o apoio da Igreja, especialmente dos franciscanos, servitas e dominicanos.

Engels, no livro “Do socialismo utópico ao socialismo científico”, destacou os precursores do socialismo ou da democracia social (defensores do “postulado da igualdade”:

“… os anabatistas [e, antes, o cristianismo primitivo, como ele apontou em outras obras] e Thomas Munzer, os levellers na grande Revolução inglesa e Babeuf na grande Revolução Francesa. Ao lado destas manifestações revolucionárias de uma classe ainda imatura nós encontramos, nos séculos XVI e XVII, os correspondentes relatos utópicos de sociedades ideais [a “Utopia”, de Santo Tomás Morus, em 1516; e “A cidade do sol”, de Campanella, em 1623] e no século XVIII aparecem já teorias diretamente comunistas (Morelly, Mably). O postulado da igualdade não se limitava já aos direitos políticos, e sim fazia-se extensivo à situação social dos indivíduos; (…). A primeira forma de manifestar-se a nova doutrina foi, portanto, um comunismo ascético, inimigo de todos os gozos da vida, que recordava aos espartanos. Vieram lago os três grandes utopistas: Saint-Simon, …, Fourier e Owen”.

Como demonstrei no livro “Socialismo, uma utopia cristã”, todas estas fontes tinham, principalmente, bases bíblicas, hebraicas e cristãs, tendo também suporte em idéias racionais e na Paidéia. Fourier, Owen e Saint Simon eram homens profundamente religiosos, outro ponto para ser frisado. E Morelly e Mably foram dois grandes abades da Igreja, duas estrelas do Clero católico.