John Locke (1632-1704), explicitamente, apresenta como uma de suas principais fontes o livro “Patriarca”, de Filmer. Ora, o livro de Filmer é uma crítica às ideias de São Roberto Bellarmino e dos jesuítas, que defendiam a democracia. Assim, tanto Filmer quanto Hobbes atacavam, como absolutistas, as ideias democráticas de São Roberto Bellarmino. E Locke, ao atacar Filmer, defendia as ideias democráticas de São Roberto Bellarmino. Vejamos o texto de Locke, retirado do livro “Dois tratados sobre o governo civil” (São Paulo, Ed. Martins Fontes, 1998, 207-208):
“Livro I, Cap. II – Do pátrio poder e do poder real. 6. A grande tese de sir R. Filmer é a de que os homens não são livres por natureza. Tal é o alicerce sobre o qual sua monarquia absoluta repousa, e a partir do qual se eleva a uma altura tamanha que seu poder paira acima de qualquer outro poder” (…). Mas se esse alicerce cai por terra, toda a edificação também ruirá, e os governos deverão voltar ao antigo sistema [sic], pelo qual são formados por obra do artifício e pelo consentimento dos homens usando de sua razão para se unirem em sociedade”.
Exato. O “antigo sistema” existia na Idade Média, nas comunas, nas cidades-estados e até nas monarquias eleitas. E estava claro nos textos de Cícero e do Direito Romano, que ensinam que os homens, o povo, nasceu livre, por natureza. Na seqüência, Locke descreve a estrutura do livro de Filmer, mostrando que “o autor” (Filmer) “investe contra Bellarmino” desde o início, como o inimigo principal de sua tese absolutista. De fato, Filmer dedica grande parte de sua argumentação atacando o livro “De Potestate Summi Pontifici”, de São Roberto Bellarmino, um dos 33 Doutores da Igreja.
Frise-se que Hobbes, no “Leviatã”, também considera Bellarmino o adversário principal. Ora, como Locke refuta os erros de Filmer e de Hobbes, é claro que defende, no final das contas, as teses de Bellarmino, baseadas no “antigo sistema” (escolástico, aristotélico, baseado nas idéias bíblicas e dos melhores filósofos gregos), onde o poder é formado “por obra do artifício e pelo consentimento dos homens usando de sua razão para se unirem em sociedade”.
Filmer escreveu basicamente contra as idéias de Suárez e Bellarmino. Logo, o livro político principal de Locke termina por ser uma defesa das teses de Suárez e Bellarmino. Por sua vez, Locke (veiculando as idéias contratualistas consensualistas medievais e de Suárez e Bellarmino) é a fonte principal de Rousseau, Jefferson, Adams e dos que fizeram a independência dos EUA e a revolução francesa. Locke atacava Filmer, que, por sua vez, atacava Bellarmino, e nisso fica clara a identidade nas teses principais entre Bellarmino e Locke, tal como a precedência de Bellarmino.