Devolutividade ampla p apelação da Defesa, restrita para o MP

Os grandes processualistas penais do Brasil, a meu ver, são Aury Lopes Jr, Fernando da Costa Tourinho Filho, Gustavo Badaró e Afrânio. Também vale a pena ler Rangel, Nicolitt, Eugênio Pacelli e Grandinetti.

Só há devolutividade ampla e irrestrita para a apelação da Defesa, pois o Estado só pode aplicar uma pena justa, baseada na lei. Assim, se a sentença aplicou indevidamente uma causa especial de aumento ou uma agravante indevida, ou errou na tipificação, tudo isso pode e deve ser reexaminado e corrigido no Tribunal, mesmo que não conste na apelação do réu, pois a Defesa tem este direito.

Já a apelação do MP, deve ser interpretada sempre restritivamente. Assim, a parte da sentença não atingida pela apelação da Acusação torna-se imutável. Tem força praticamente como que coisa julgada, quando benéfica ao réu. Há bons textos doutrinários neste sentido, coligidos pela Dra. Letícia Alessandra Costa Nauata, no artigo “A devolução parcial da matéria decidida e a formação gradual da coisa julgada” (disponível em http://www.lfg.com.br. 28 de março de 2009).

Vejamos, no artigo acima referido, os trechos mais importantes, que se aplicam apenas à apelação do MP, mesmo que sejam textos sobre processo civil, mas valem com mais fortes razões para as apelações da Acusação, no processo penal:

Com efeito, a formação gradual da coisa julgada é uma decorrência lógica da interposição de recurso parcial, mais precisamente, da limitação imposta – pelo recorrente ou pela lei – à extensão do efeito devolutivo dos recursos. De outro modo, pode-se dizer que, interposto recurso de apenas um capítulo de mérito da sentença, os outros transitarão em julgado – formal e materialmente – assim que findar o prazo de interposição de recursos contra eles oponíveis, tornando-se assim imutáveis, pois já não será lícito ao órgão ad quem deliberar sobre tais capítulos, por se tratar de matéria que não lhe foi devolvida, localizada, portanto, fora do seu âmbito de cognição (admitindo-se, claro, que não se trate de matéria sujeita ao reexame necessário). Sobre a imutabilidade dos capítulos não impugnados, destaque-se a lição de Cândido Rangel Dinamarco:

“Quando o recurso interposto é integral, abrangendo todos os capítulos de que se compõe o ato recorrido, não se opera preclusão alguma, notadamente a coisa julgada; quando ele é parcial, os capítulos de sentença não impugnados recebem a coisa julgada e tornam-se, a partir daí, inatacáveis”.

No mesmo sentido, leciona Baptista da Silva que a apelação devolverá ao tribunal somente o conhecimento da matéria impugnada, ficando vedado ao tribunal examinar “outras questões não compreendidas na apelação, sobre as quais o silêncio das partes fez com que se consumasse a coisa julgada“. Compartilha do mesmo entendimento Gustavo Filipe Barbosa Garcia, ao afirmar: “se o recurso é parcial, ou seja, com impugnação de apenas parte da sentença condenatória, o capítulo não abrangido pela irresignação transita em julgado de imediato, independentemente do recurso interposto”.

Acrescenta José Carlos Barbosa Moreira [“Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 5, 12ª. Ed., Rio de Janeiro, Forense, 2005, especialmente o texto da pág. 357] que, caso se recorra do capítulo principal, os capítulos acessórios também são incluídos no pedido recursal, mesmo havendo silêncio a respeito deles. Dessa forma, ainda quando não impugnados, os capítulos referentes à correção monetária, juros e verbas de sucumbência, por exemplo, são abrangidos pelo recurso. Quanto aos demais capítulos não recorridos, ensina o autor que se tornarão imutáveis em razão da coisa julgada material, sendo defeso ao tribunal apreciar quaisquer questões preliminares em relação a essa parte da decisão. Bastante elucidativo é o exemplo por ele fornecido:

“Suponhamos, v g., que a sentença, repelindo a alegação de faltar ao autor legitimatio ad causam, condene o réu ao pagamento de x. Apela o vencido unicamente para pleitear a redução do quantum a y. Ainda que o órgão ad quem se convença da procedência da preliminar – que em princípio, como é óbvio, levaria à declaração da carência de ação quanto ao pedido todo -, já não lhe será lícito pronunciá-la senão no que respeita a x-y, única parcela que, por força do recurso (e ressalvada a eventual incidência de regra como a do art. 475, nºI, que torne obrigatória a revisão), se submete à cognição do juízo superior. No tocante à parcela y, que não é objeto da apelação – nem, por hipótese, se devolve necessariamente -, fica vedado ao tribunal exercer atividade cognitiva: o capítulo correspondente passou em julgado no primeiro grau de jurisdição”.

Assim, o Tribunal deve ler atentamente a Apelação do Promotor ou Procurador, e se cingir ao que nela é tratado. A devolutividade da apelação do MPF é RESTRITA. O acórdão NÃO pode ir além da matéria da Apelação, não pode inovar, não pode acatar argumento não exposto na Apelação, inovando.