O jusnaturalista Heráclito (576-480), de Éfeso, na Ásia Menor, como pode ser visto no livro de Frei franciscano Damião Berge, “O logos heraclítico” (Rio de Janeiro, Ed. INL, 1969), chamava o “Logos” (a Razão divina) de “o pai de todas as coisas e de todas as coisas rei”. O “logos” era considerado como a norma (regra) do devir (do processo histórico), a regra de conduta pessoal e social, num sentido parecido com a idéia do “Tao” (caminho, lei natural, regra de vida), no taoísmo. Séculos depois de Heráclito, São João Apóstolo escreveu o Quarto Evangelho justamente na cidade de Éfeso, na cidade natal de Heráclito.
No início do Evangelho de São João, o Apóstolo mais próximo de Cristo e que conviveu com Maria como filho adotivo, identifica Cristo com o Logos, a Razão divina, a Inteligência Suprema e Amorosa que governa e ordenada o cosmos. O termo “Logos” abre este Evangelho: “no princípio, era o Logos, e o Logos estava com Deus, e o Logos era Deus… e o Logos [o Verbo] se fez carne e habitou entre nós”. O velho Heráclito, que deve estar no Céu, deve ter vibrado de alegria, junto com Sócrates, Platão, Aristóteles, os estóicos, Cìcero e outros.
Edward Zeller (1814-1908), hegeliano aberto e eclético, também elogia Heráclito por constatar o devir individual e também a racionalidade do cosmo. Em palavras mais simples, o universo se move por leis naturais, racionais, o mesmo devendo ocorrer com as pessoas, que devem se pautar racionalmente, DIALOGICAMENTE (dialeticamente) de acordo com o bem comum.
Heráclito ensinava: “por isso, é preciso seguir-se o comum, porquanto o universal é comum” (fragmento 2), ponto que Rousseau utilizou, em seu conceito de “vontade geral”, universal, como base da soberania. O velho Heráclito escreveu obras jusnaturalistas, como “Da natureza”, dividida em três partes “Do todo”, “A política” e “A teologia”. O ensino de Heráclito foi amplamente acatado pelos estóicos e tinha as mesmas bases jusnaturalistas de Sófocles, Eurípedes, Sócrates, Isócrates, Platão, Aristóteles, da Escola de Megara, dos cínicos e também de Protágoras (sofista elogiado por Platão).
A “vontade geral” distingue-se da vontade empírica de todos, embora, quase sempre estejam sobrepostas, pois é a vontade racional. Esta é a base racional e tradicional do jusnaturalismo de Rousseau. O “logos” (a razão) é, no sentido do efeito, o conjunto das verdades (das idéias, dos ideais, das regras racionais e dialógicas de conduta para a geração do bem comum) comuns a todas as pessoas. Em outros termos, é a “lei natural”, na atual terminologia, chamada, por Rousseau, de “vontade geral”. Do termo “logos” nascem as palavras diálogo, lógica, dialética etc. De fato, a verdadeira dialética, como explicou Platão, é o diálogo, a forma escolhida por Platão para escrever suas obras e a forma escolhida por Sócrates para gerar a sabedoria, para gerar idéias verdadeiras.
A “Palavra”, o “Verbo”, o “Logos”, a “Razão”, a “Inteligência” suprema; eis como São João chama Cristo, sendo estes outros Nomes que expressam a essência da divindade, que é o Bem, o Ser Supremo. De fato, o Bem supremo, que sempre age para a concretização do bem comum, opera pelo Logos, por boas Palavras, pelo Diálogo. Da mesma forma, as pessoas, o Estado, todas as estruturas econômicas, devem ser mover apenas pela via do Logos, do Diálogo, pelas idéias do povo.
Num sentido próximo, os antigos chamavam Deus de “Noous”, de Inteligência ordenadora, como pode ser visto nos textos de Anaxágoras (500-428 a.C.), Heráclito, nos pitagóricos, em Sócrates, Platão, Aristóteles, nos cínicos, nos estóicos, ecléticos (uma mistura de aristotelismo e estoicismo) etc. A Paidéia, em seus melhores expoentes e textos, ensina que a ética é pautada pela razão e pelo bem comum, o mesmo ensinamento ético da Bíblia.