Alceu – a forma natural de governo é uma democracia popular, participativa

Alceu, no livro “Revolução, reação ou reforma” (Rio de Janeiro, Edições Tempo Brasileiro Ltda, 1964, pp. 147-149), transcreveu e comentou uma “carta apostólica” do Vaticano (de 1963) sobre a democracia. Alceu explicou bem a consagração papal ao ideal de uma democracia pautada pelo bem comum, uma democracia popular, como queria Aristóteles:

Vamos fazer um resumo da “carta apostólica” sobre a “a sociedade democrática” em que está contida a expressão mais completa e atual do pensamento oficial da Igreja sobe a democracia. (Doc. Cath. 4-8-63)”.

O documento do Vaticano e o comentário de Alceu iniciam pelo “aspecto político” da democracia, destacando a lição explícita de Cristo sobre o papel de “servidor” do Estado e dos agentes públicos (os que têm poder, devem ajudar o próximo). O Estado deve estar subordinado ao povo, à sociedade, às pessoas, ao bem comum:

Aspecto político. “A democracia supõe uma sociedade de pessoas livres, iguais em dignidade, e gozando de direitos fundamentais iguais… cada qual devotando ao bem comum o melhor de suas aptidões… Os que detêm o poder não se entregam ao arbítrio… aceitam as fiscalizações necessárias, exercidas pela representação nacional e impostas por leis fundamentais livremente aceitas e racionalmente promulgadas. Sua autoridade imparcial e forte só tem preferência pelos mais fracos”.

Logo, toda democracia é por natureza a negação do absolutismo. Sua lei é a relatividade e a proporção. É de notar, entretanto, que não se faz menção aí da pluralidade partidária, como essencial a democracia, embora se possa entender que os partidos estão incluídos entre os “corpos intermediários”.

Alceu analisou o “aspecto social” da democracia, que se desenvolveu principalmente a partir das Revoluções de 1848, com a participação positiva da Igreja:

“Aspecto social. “Toda verdadeira democracia exige ainda, que os cidadãos sejam devidamente informados”.

Logo, liberdade de imprensa.

Exige ainda, como fundamental, o equilíbrio entre personalização e socialização. (…)

Graças a uma autêntica democracia, chega-se a harmonização entre os dois movimentos complementares de personalização e de socialização… O movimento de personalização permite a cada qual expandir-se segundo as exigências de sua natureza inteligente e livre… Em virtude do movimento de socialização, o corpo social promove sua finalidade, que é o bem comum temporal…

O movimento de socialização é uma nota característica do mundo moderno, que se manifesta pela multiplicação e interdependência de associações e de grupos de interesse”.

Em tudo isso o essencial é o “diálogo”, palavra que o documento repete por várias vezes”.

O Vaticano recomendava e recomenda, como ideal histórico, a “autêntica democracia” com “a harmonização entre os dois movimentos complementares de personalização e de socialização”.

A “socialização” é o movimento do “corpo social” (o corpo místico natural, na linguagem medieval, ou sociedade na terminologia atual) em prol do “bem comum”. Trata-se de um movimento que só ocorre corretamente contando com a autonomia de cada pessoa, com grandes consensos baseados em sínteses, que assegurem uma união com liberdade e justiça. Neste sentido, Pio XII, num discurso no III Congresso Internacional da Imprensa Católica, em 18.07.1950, fez o elogio da liberdade de imprensa como elemento essencial numa sociedade bem constituída.

O velho Bispo, Dom Aquino Correia, ensinou idéias próximas, num discurso sobre “Dom Bosco e a democracia” (no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 30.10.1929), onde mostra o caráter democrático do “sistema preventivo” de pedagogia de Dom Bosco. Afinal, como apontou Dom Correia, o “sistema” de São João Bosco “se apóia todo na razão, na religião e no amor, excluindo, portanto, os castigos violentos” e “mesmo”, “os leves”. O poder paterno, o poder dos professores, tal como o poder civil, deve mover-se à luz de boas idéias, do consenso racional, da razoabilidade, e não da violência.

A conclusão de Alceu é a mesma deste meu blog e de autores como Chomsky e outros socialistas democráticos: o ideal de nosso tempo, o “ideal histórico” (cf. expressão da antiga Ação Popular) é uma democracia “ao mesmo tempo moral, política, social e econômica”, como queriam o padre Fernando Bastos de Ávila, Paulo Bonavides, Dalmo Dallari, Celso Antônio Bandeira de Mello e outros autores:

“Vê-se assim que não há verdadeira democracia política sem democracia econômica. E que o atual processo de autocratismo econômico concomitante com o democratismo político é imperfeito e transitório.

Finalmente é o espírito cristão que completará essa democracia, ao mesmo tempo moral, política, social e econômica”.

Alceu sempre destacou a importância do “verdadeiro humanismo”, que Bento XVI chama de “autêntico iluminismo” (expressão que designa a presença do iluminismo cristão como força principal do iluminismo).

O humanismo é, para Alceu, o “fundamento de uma sã democracia”, que exige “pesquisa científica, capacidade técnica, qualificação profissional, estudo sempre renovado” etc:

“Tal ideal seria dificilmente acessível se não fosse inspirado por um espírito cristão… (pois) o cristão, que sabe ao mesmo tempo de onde vem e para onde vai, toma simultaneamente a verdadeira medida do homem e do mundo. Para esse fim deverá unir a pesquisa científica, a capacidade técnica, a qualificação profissional, um estudo sempre renovado dos ensinamentos da Igreja. Encontrará ali a fonte do verdadeiro humanismo fundamento de uma sã democracia”.

Essa democracia integral é que deverá ser a medida de nossa posição no confronto entre regimes políticos e econômicos contraditórios no mundo moderno. Não por cruzadas anti, mas por construções pró.Novembro – 1963″.

Conclusão: “construções pró” são esforços de sínteses, de ecumenismo, de diálogo, que é a base da intervenção da Igreja (e das pessoas racionais) no mundo, conforme ensinou Paulo VI, em bons textos. Foi esta a prática de São João XXIII e do melhor do Concílio Vaticano II.