O poder legítimo, o bom Estado, nasce das ideias do povo, do povo, para o povo, pelo povo

O poder legítimo é o poder fundamentado e movido pelo Logos, a Palavra, o Diálogo, a ação legisladora da consciência das pessoas, do povo. Como explicou Leão XIII, na “Diuturnum Illud” (29.06.1881, n. 14), “a natureza, ou melhor, Deus, Autor da natureza” planejou que as pessoas deveriam “viver em sociedade; o que é claramente demonstrado” “pela faculdade de falar, que é a maior conciliadora da sociedade”.

A palavra é a forma natural do movimento humano, “é a maior conciliadora”, a base e a fonte da sociedade. Este ponto foi bem destacado na Tradição e também por grandes escritores como Herder, Luís Bonald, Lamennais e outros, que ensinaram que na linguagem há um depósito de idéias, um patrimônio cultural que é socializante e ético. Lacordaire (1802-1861), em obras como “Considerações sobre o sistema filosófico de Lamennais” (1834), corrige apenas um erro tradicionalista de Lamennais, que desprezava a razão individual e só dava importância à razão universal, da sociedade.

Lacordaire destacou que a razão universal é um critério correto, porque a razão individual das pessoas é capaz de descobrir e elaborar idéias verdadeiras, racionais. Assim, o catolicismo ama a razão pessoal e a razão social, formada pelo diálogo, pela interligação das razões (consciências) pessoais.

Leão XIII frisou, na linha aristotélica-tomista, que o Plano divino para a vida social (bem claro na natureza política, comunitária e familiar da natureza humana) é atestado “por muitíssimas tendências inatas da alma” e, principalmente, “pela necessidade de muitas e grandes coisas, que os homens solitários não podem conseguir, mas conseguem quando associados aos outros”. Assim, a sociedade “não pode existir”, e nem se conceber uma sociedade, na qual não haja” uma moderação (organização) das “vontades dos particulares para fazer de todas elas uma coisa só e dirigi-las ao bem comum”. Esta moderação é feita, no modo natural, pela via da palavra, da persuasão racional, do diálogo.

Há a mesma lição na “Libertas”, na “Immortale Dei” (01.11.1885), na “Au milieu des sollicitudes” (16.02.1892) e em vários outros documentos de Leão XIII, que apenas repetem as lições dadas por Leão XIII nas Pastorais, quando era bispo de Perúgia.

Em síntese, o poder só se justifica, na concepção cristã bem exposta por Leão XIII, quando é regido pela palavra, por idéias discursivas e consensuais geradas pelas consciências das pessoas (do povo, da sociedade), em prol do bem comum.

A mesma lição foi repetida na “Gaudium et Spes”, em 1965, no Vaticano II, onde a teoria exposta por Leão XIII, na “Diuturnum”, é repetida. A mesma doutrina está exposta na “Pacem in terris”, de João XXIII, em 11.04.1963. Vejamos a doutrina social política da Igreja, exposta na “Gaudium et Spes”, com o aval de todos os bispos católicos mais o Papa, nestes termos:

as pessoas, as famílias e os diversos grupos que constituem a sociedade civil são conscientes da sua insuficiência para obter uma vida plenamente humana e percebem a necessidade de uma comunidade mais ampla, na qual conjuguem cotidianamente as suas forças visando uma melhor procura do bem comum. Por isso, constituem uma sociedade política, segundo tipos institucionais diversos.  A comunidade política nasce, pois, para procurar o bem comum, no qual se encontra a sua justificação plena e o seu sentido, e do qual deriva a sua legitimidade primigênia e própria. As modalidades concretas pelas quais a comunidade política se dá a si mesma a estrutura fundamental e a organização dos poderes públicos podem ser diferentes, segundo o gênio de cada povo e a marcha da sua história. Mas, devem tender sempre a formar um tipo de homem culto, pacífico e benévolo, em relação aos demais, para proveito de toda a família humana”.

O Estado é uma formação histórica, natural e cultural. Visando atender às necessidades humanas, é justificado pela necessidade de organização da sociedade, para a formação de uma estrutura política e de um sistema econômico cooperativo, que conjugue as forças humanas, para atender o bem de todos e da própria natureza.

Mesmo sem o pecado original, existiria o Estado, a sociedade, as leis, o casamento, a relação sexual, a produção de filhos, o trabalho humano. Todos estes pontos são criações de Deus, que são melhorados pela graça, que mantêm a natureza (criação divina) e a aperfeiçoa, sem contradizer a natureza, obra de Deus, como a graça é a ação divina também. A ação divina da graça age sobre a ação divina de Deus criador, da criação.

O poder legítimo é o poder que nasce do diálogo, da razão discursiva, da oração, da união consensual e dialógica das consciências. O poder divino atua pelo diálogo, pelo logos, em prol do bem comum. O bom poder humano é o poder à imitação do poder divino.