A teoria democrático popular de Platão, exposta no livro “Protágoras”, o “Político”

W.K.C. Guthrie, no livro “Os sofistas” (São Paulo, Editora Paulus, 1991, pp. 64-69), expõe corretamente as idéias de Sócrates, Platão e Protágoras sobre a democracia. Recomendo a leitura do livro, pois mostra como Protágoras combinava corretamente religiosidade e amor à democracia, ao saber e à educação. Por estas razões, Protágoras era apreciado por Sócrates e por Platão, como fica claro no diálogo “Protágoras”, uma homenagem a um pensador jusnaturalista.

O livro “Cristo na filosofia contemporânea” (São Paulo, Editora Paulus, 2003, pp. 89-94), organizado por Silvano Zurcal, também traz uma boa síntese sobre Protágoras, que transcrevo para facilitar a exposição:

“Protágoras de Abdera (500-430 a.C.) chegou a Atenas antes de Górgias. (…)

É verdade que ele admitia a possibilidade de dois juízos (“lógoi”) sobre cada coisa, opostos e, contudo, igualmente verdadeiras de acordo com pontos de vista diferentes. Mas acreditava que um desses juízos tinha de ser “mais forte”, e que a argumentação deveria revelá-lo.

Ao que parece, o juízo “mais forte” era, para ele, o “normal”: a medida de uma coisa pelo homem “normal” [do povo]. O senso comum do indivíduo deve ser, afinal, “comum” e o juízo que o toma por critério não é singular, mas reflete um padrão comum de julgamento. Vê-se, portanto, que Protágoras não era um mero individualista, mas um empiricista que acreditava no senso comum moral do homem. Não defendia o direito de todo indivíduo fazer triunfar seu ponto de vista a qualquer preço, mas o de justificar pelo senso comum uma causa que era normal, porque apelava para um julgamento normal. (…)

Platão nos informa que aquele sofista vinculava a educação ao Estado, e que concebia este, de forma genuinamente grega, como uma instituição educativa. Procurou defender esta idéia em parte pelo uso da analogia, em parte mediante uma teoria da origem da sociedade.

Segundo ele, da mesma forma como o professor instrui os alunos mostrando-lhes textos de bons poetas, e obrigando-os a memorizá-los como modelos a serem seguidos (325 D-326 A), a cidade exibe as leis aos cidadãos, compelindo-os a aprendê-las de cor e a modelar seu comportamento à imagem delas (326 C-D). Em sua teoria da origem da sociedade, Protágoras vê três estágios do desenvolvimento humano. O primeiro (320 e 332) era algo como o “estado natural”: os homens conheciam as artes da indústria e da agricultura, mas não ainda a arte política. Sem cidades, eram presas das feras, e foi a necessidade que os levou a fundar comunidades, alcançando assim um segundo estágio de desenvolvimento (322) no qual procuravam na vida urbana a união e a preservação da espécie. Contudo, embora vivessem em cidades, ainda não dispunham da arte política: alguns indivíduos agrediam outros, o que resultava em dispersão, e destruição.

Veio então o terceiro estágio (322): Zeus enviou Hermes à Humanidade, para que a Justiça e o Respeito fossem adotados como princípios, de modo a ordenar e a aglutinar cidades de novo tipo; surgiu assim finalmente o Estado, sob a forma de uma sociedade espiritual, com sanção divina, integrada pelos vínculos espirituais da Justiça e do Respeito”.

Para Protágoras, a sociedade deve ser regida pela Justiça e pelo Respeito, pelo Diálogo do povo. Protágoras deu continuidade aos textos de Ésquilo, que escreveu “Prometeu acorrentado” e, no final da vida, escreveu uma obra sobre a reconciliação de Prometeu com Zeus, com Deus. Prometeu, um Titã, também Deus, deu à humanidade o “fogo”, a tecnologia. Mas estas “artes da indústria e da agricultura” são insuficientes para a organização da sociedade. A sociedade precisa, acima de tudo, da ética, das palavras contendo as idéias requeridas e adequadas para a promoção e concretização do bem comum. De Deus vem a tecnologia, a ética, a política, o direito etc. Mas, tudo isso não nasce diretamente de Deus, e sim pela mediação da consciência, da palavra, do Logos, do diálogo humano.

Pierre Vidal-Naquet, no livro “Os gregos, os historiadores, a democracia” (São Paulo, Ed. Companhia das Letras, 2002, p. 181), também ensinou que a teoria de Protágoras foi a principal teoria grega sobre a democracia. Era uma teoria que justificava o fato dos artesãos (ferreiros, curtidores, marinheiros, pequenos negociantes, carpinteiros etc) votarem. Todas as pessoas, na concepção de Protágoras, teriam recebido de Zeus (de Deus, Javé em hebraico), a luz da razão, o bastante (suficiente, como a graça suficiente) para distinguir entre o certo e o errado, o justo e o injusto, entre verdades práticas e simples e erros.

Esta teoria foi exposta, por Protágoras, com base na religião grega (cf. Werner Jaeger), fazia parte da concepção religiosa e filosófica grega. Por isso, era também foi a concepção jusnaturalista de Sófocles, na peça “Antígona”, onde esta heroína enfrenta o rei de Tebas, Creonte, alegando que leis iníquas não a obrigam e que devem ser desobedecidas, dado que são leis injustas, não amparadas no direito natural. Nas peças gregas, a democracia, a “constituição antiga” e democrática, elogiada por Isócrates (436-338 a.C.), é atribuída a Teseu, filho de Zeus.