O cardeal Newman redigiu um grande elogio à consciência e à verdade, escrevendo:
“A verdade não pode impor-se senão pela força da verdade, com tanta doçura como poder. É pela mediação da consciência [da razão, que se move pela via do diálogo] que o homem aceita as injunções da lei divina”.
Esta proposição, repetida várias vezes por Bento XVI, é base da concepção política da Igreja: a faculdade de mandar (de regrar, de explicitar regras, publicando-as, dando-as a conhecer, positivando-as) deve, para ser legítima, corresponder a uma obediência racional, voluntária, vinculada à voz da consciência, do diálogo, da razão e do bem comum.
A tradição jurídica da Igreja sempre ensinou que a boa heteronomia é apoiada (tem fundamento) na autonomia, na coincidência de conteúdos (de regras, de idéias) entre o que explicita a regra (o conteúdo da regra, o preceito, explicitado pela autoridade) e o conteúdo da consciência da pessoa que acata estas regras. A pessoa acata as ordens por serem “justas”, ou seja, por serem racionais e condizentes com o bem comum.
O cidadão deve acatar as leis justas porque estas expressam idéias que pré-existem na própria consciência do povo e representam, assim, as exigências do bem pessoal e social.
A boa heteromia é harmônica com a autonomia, ou seja, a autoridade boa e justa pressupõe a liberdade, tem harmonia com a liberdade e o diálogo, pois é a liberdade social. O núcleo do poder e do direito é o diálogo, ponto bem frisado por Hannah Arendt.
O direito positivo legítimo é a ordenação heterônoma que não viola a autonomia, que se harmoniza com a liberdade, com as idéias do cidadão, com a consciência, com a autonomia da pessoa, de cada pessoa. Nos termos do tridimensionalismo jusnaturalista de Miguel Reale, o direito “é uma integração normativa de fatos segundo valores”. O velho Roberto Lyra Filho apreciava os bons textos de Reale. Roberto Lyra foi um grande socialista católico, trabalhista, nacionalista e seu filho, Roberto Lyra Filho, expoente do Direito achado na rua, deu continuidade à obra do pai, mesclando tudo com a Teologia da libertação.
Valores são as idéias normativas embebidas em emoções, entranhadas na esfera emotiva e subjetiva, para que sejam eficazes sobre a conduta. A norma positiva boa e justa (legítima) é que é racional e adequada ao bem comum (logo, é consensual, pois a racionalidade e a bondade produzem a consensualidade espontânea).
O apreço do Cardeal Newman – ou de Friederich Hügel – pela verdade (no fundo, pela razão) como a regente da vida (pessoal e social) é que motivou o elogio de Paulo VI, que o chamou de “precursor genial”. Este papa confessou ao cardeal Jean Guitton: “não tenha dúvida, Newman será, um dia, [declarado] Doutor da Igreja”. O discurso de João Paulo II (datado de 18.06.1990), enviado para uma Missa em Birmingham, Inglaterra, com a participação do Episcopado católico da Inglaterra, em 23.06.1990, comemorou o centenário da morte do Cardeal John Henry Newman.
A expressão “a verdade é a regente natural” significa que há um conjunto de idéias práticas naturais, nascidas da razão, na consciência da sociedade, na consciência do povo, pela via do diálogo. Em cada consciência há idéias que se apuram pelo diálogo, pelos debates, pelas boas discussões. Estas idéias são nossas luzes (a fonte das regras), para guiarmos nossas vidas, pessoais, tal como a vida das sociedades.
As regras jurídicas positivas só são cogentes, no prisma ético, se coincidirem pela via do consenso racional (do diálogo), com estas regras implícitas e latentes na consciência da sociedade, de todos. Esta é doutrina ensinada pelos Profetas e também por Cristo, por São Paulo, pelo melhor da Paidéia, por Graciano, Santo Tomás de Aquino, Santo Tomás Morus, Suárez, Rousseau, Jefferson e outros milhares de luminares do pensamento democrático.
O Cardeal John Henry Newman, no século XIX, demonstrou como até o conhecimento do dogma (das verdades reveladas) evolui no curso da história. Mostrou que a fé do povo, o “consensus fidelium” (o consenso dos fiéis, as idéias aceitas consensualmente pelo povo) é um dos principais canais de transmissão da fé, um “locus theologicus” (lugares teológicos). No Brasil, especialmente, por termos poucos sacerdotes, a tradição (operando na via do diálogo, pelas famílias e pelos leigos, inclusive por nossos grandes escritores) foi a principal via da difusão do cristianismo.
A demonstração da importância da Tradição, como fonte viva, consta no livro “Ensaio sobre o desenvolvimento da doutrina cristã” (1845) e coincide com os melhores textos de Lamennais e de Bonald (há também repercussões destas idéias em Noam Chomsky, pela via de pensadores como Descartes).
Newman ainda escreveu obras importantíssimas como: “Gramática do assentimento” (1870, sobre o papel da consciência e os fatores psicológicos da fé); “Carta ao Duque de Norfolk” (1875); “Vida média” (1877); e outras boas obras.