O próprio Kelsen, após duras críticas, caminhando para o final da vida, no livro “Justiça e direito natural” (Coimbra, Ed. Amado, 1963, p. 101), admitiu que “o positivismo jurídico também adota critérios e valores que permitem julgar o direito positivo, com a única restrição de que esses critérios possuem um valor relativo”. Dentre os valores relativos, cita a “liberdade de expressar as próprias idéias”, a “paz”, a “democracia”, a “tolerância” e outros valores de “uma filosofia relativista da justiça”. Neste texto, Hans Kelsen praticamente se retrata, pois admite idéias do povo para “julgar o direito positivo”, acima do direito positivo, do Estado.
Neste e em outros pontos, Kelsen adota um jusnaturalismo mitigado, próprio do kantismo, que foi seu berço doutrinário. No final da vida, Kelsen esboçou uma crítica aos erros do normativismo, erros que divulgou durante quase toda a vida.
O jusnaturalismo adotado pela Igreja nunca foi o jusnaturalismo abstrato e seco que Kelsen criticou, e sim um jusnaturalismo concreto, experimental, pautado pela razão e pelo bem comum, histórico, como será demonstrado. A Igreja adotou uma teoria sobre as leis e o poder público baseada nos melhores textos da Paidéia e da Bíblia.
O ponto central do jusnaturalismo da Igreja é a defesa da dignidade humana, do poder da consciência. A Igreja visa assegurar e promover condições para proteger a sacralidade (a dignidade) de cada pessoa, do trabalhador e dos direitos naturais humanos.
Junto com os últimos textos de Kelsen, Norberto Bobbio também reconheceu a existência de “valores morais superiores às leis positivas”:
“estas críticas não pretendem despojar o direito natural de sua função histórica no passado, nem tampouco suprimir a exigência, que nele se expressa, de não aceitar sem mais, como valores últimos, os que tenham sido impostos pela classe detentora do poder. Desejaria que ficasse bem claro que as dúvidas aqui formuladas não afetam de qualquer forma a existência de valores morais superiores às leis positivas, nem o seu conteúdo, mas unicamente sua motivação” (cf. texto do livro “Le Droit Natural”, de Kelsen, Bobbio e outros autores, p. 221, colhido da obra de Franco Montoro, “Estudos de filosofia do direito”, São Paulo, Ed. RT, 1981, p. 55).