Dom Hélder, em 11.04.1964, já ensinava: “não confundamos a bela e indispensável noção de ordem, fim de todo o progresso humano, com contrafações [simulacros] suas, responsáveis pela manutenção de estruturas que todos reconhecem não podem ser mantidas” (cf. “Correio da Manhã”, 12.04.1964). Dom Hélder apenas repetia a velha lição de Santo Agostinho. Os textos de Proudhon adotam, implicitamente, a mesma tese, elogiando a “ordem”, como pode ser visto no livro “Da criação da ordem da humanidade”, de 1843. A ordem natural é a ordem criada pelo diálogo, a ordem racional dialógica, que deve reger todo universo, toda sociedade humana e divina.
Nos termos de Pio XII, na “Con sempre”, o “ordenamento jurídico” e estatal deve ser um “apoio externo, de defesa e de proteção” da “vida social”. A finalidade do ordenamento jurídico positivo (e do Estado) é assegurar a todos uma vida plena. Assim, o ordenamento deve ser a extensão e a concreção das regras racionais e benéficas conducentes ao bem comum (a concreção da “lei natural”, na terminologia medieval e clássica). A fonte destas regras racionais é o diálogo do povo.
O “ordenamento” legítimo, nos termos de Pio XII, não é um meio para “dominar, e sim de servir” à sociedade, deve “tender ao desenvolvimento e crescimento da vitalidade da sociedade na rica multiplicidade de seus fins, conduzindo ao aperfeiçoamento de todas e de cada uma das energias em pacífica cooperação”.
Todo o “ordenamento” jurídico legítimo (a explicitação das regras racionais do bem comum, da ordem verdadeira), deve “garantir o equilíbrio”, a boa medida, “a harmonia da sociedade”. A MEDIANIA é a base da Teoria da constituição mista, adotada por Platão, Aristóteles, pelos estóicos e pela Igreja. Mediania em tudo, sem miséria, sem opulência privada, boas sínteses. O caminho do meio é a base do melhor da ética clássica grega, hebraica, tal como da China (Confúcio), da Índia (hinduísmo e budismo) etc.
Pio XII explicou bem que a “concepção do Estado segundo o espírito cristão” tem como ponto essencial que o “Estado e seu poder” estejam “a serviço da sociedade”. Nos termos de Jesus Cristo, todo agente público é um servidor, deve servir, ajudar à sociedade. Deve haver a primazia da sociedade sobre o Estado, sendo o Estado um mero servidor, como explicou Jesus Cristo. Pio XII explicou que cada pessoa deve ter “uma esfera concreta de direito, protegida contra todo ataque arbitrário”, deve ter esferas jurídicas de libertação, de proteção, de ajuda (“subsidium”, princípio da subsidiariedade).
A conclusão de Pio XII é correta: em “todos os campos da vida” devem existir “formas sociais [políticas, econômicas, familiares etc] que possibilitem e garantam uma plena responsabilidade [participação] pessoal”, destruindo todos os tipos de reificação, assegurando bons “lugares” (cf. Milton Santos) para todos. Pio XII, no documento “Negli ultimi” (24.13.1945), também criticou o “totalitarismo”, dizendo: “o edifício da paz” só ficará em pé se “o totalitarismo” tiver um “fim”.
Em outras palavras, a doutrina da Igreja ensina que a sociedade deve, pela via do diálogo (de forma consensual e racional), elaborar “um conjunto de normas sociais estabelecidas” para promover “o fim natural da vida econômica”, o bem comum, ou seja, “condições materiais exigidas para o desenvolvimento” da “vida cultural e espiritual” de todas as pessoas (cf. Pio XII, “Disc. Ao congresso de neg. intern.”). O Estado deve tornar “mais fácil à pessoa humana, na ordem temporal, o conseguimento da perfeição física, intelectual e moral” (cf. Pio XII, “Summi Pontificatus”, 20.10.1939).
A tese principal do jusnaturalismo é democrática: as pessoas são legisladores naturais, formulam, pela luz natural da razão, ampliada pelo diálogo, regras racionais e benéficas conducentes ao bem comum, que devem pautar a vida pessoal, familiar, das unidades intermediárias e para a sociedade.
As regras racionais, benéficas e naturais a interpretação e a intelecção das exigências do bem comum, ou seja, de como atender e prover as necessidades das pessoas, como assegurar a todos os bens necessários e suficientes para uma vida plena, digna e abundante. São regras racionais e benéficas (pautadas pelo bem comum) que devem ser codificadas, escritas, formando o direito positivo legítimo, que é um meio de ordenação racional e benfazejo. Logo, o critério da legitimidade (medida de justiça) do Estado e do direito positivo é o grau de adequação em que estes atuam por regras benignas, bondosas, que conservam, protegem, tutelam e promovem o bem de todos, que assegure a todos uma vida plena, abundante, completa, digna.