Aristóteles ensinou com clareza solar que o povo é o mais qualificado para elaborar leis racionais (justas), para exercer o Poder Legislativo, para criar as regras sociais para reger a sociedade, para se auto-reger, autogovernar, pois:
“a maioria, cujos membros tomados separadamente não são homens notáveis, está, no entanto, acima dos homens superiores, se não individualmente, pelo menos em massa”, pois (…)
“nesta multidão, cada indivíduo tem sua parte de virtude e de ilustração, e todos reunidos formam, por assim dizer, um só homem que têm mãos, pés, sentidos inumeráveis, um caráter moral e uma inteligência em proporção. Por isso, a multidão julga com exatidão as composições musicais e poéticas; este dá seu parecer sobre um ponto, aquele sobre outro, e a reunião inteira julga o conjunto da obra. (...)
…pode se deixar ao povo o direito de deliberar sobre os negócios públicos e o direito de julgar. Assim, Sólon e alguns outros legisladores concederam ao povo a eleição e a censura [o poder de retirar do cargo, de “impeachment”] dos magistrados [agentes públicos], negando-lhes absolutamente as funções individuais [o poder executivo]. Quando estão reunidos, a massa percebe sempre as coisas com suficiente inteligência; e unida com os homens distinguidos, serve ao Estado, como que mesclando manjares poucos escolhidos com outros delicados se produz uma quantidade mais forte e mais proveitosa de alimentos”.
Aristóteles respondeu à objeção que a política exigiria conhecimentos especializados (por exemplo, só um cozinheiro seria bom juiz sobre comidas etc) do seguinte modo:
“O mérito de uma casa, por exemplo, pode ser estimado pelo que a construiu [um arquiteto], mas melhor o apreciará, todavia, o que a habita, isto é, o chefe da família. De igual modo, o timoneiro de um barco conhecerá melhor o mérito dos timões que o carpinteiro que os faz; e o convidado, não o cozinheiro, será o melhor juiz de um festim”.
Aristóteles constatou que o “gênio” é uma exceção. As idéias mais importantes da sociedade são geradas pela consciência de todos, pelo diálogo, por um processo de sedimentação e sínteses, não sendo fruto de gênios. Os gênios aproveitam o acúmulo e a matéria-prima e apenas operam como parteiros da criação social.. O povo é mais sábio que qualquer sábio individual.
O principal é o Estado ficar sujeito à sabedoria prática do povo. Aristóteles considera como virtude principal esta “sabedoria” (“Sofia”), que, na vida prática, é a chamada de “prudência” (“fronesis”), sendo basicamente o poder da razão para distinguir o bem do mal. Sabedoria ou prudência é o poder da razão de formular idéias concretas para a realização do bem comum, para promover o bem comum e combater o mal (há o mesmo ensinamento na Bíblia). O mal é a ausência do bem devido e adequado ao caso concreto. No livro “Ética a Nicômaco” (livro VI), Aristóteles explica estes conceitos sobre a prudência, a sabedoria do povo.
Num parêntese, o melhor da teoria geral da Paidéia sobre o poder está nos textos de Aristóteles, tal como nos textos de Sófocles, nos estóicos, em Tucídides, Políbio e outros. Está, principalmente, na prática do povo.
No livro “Constituição de Atenas”, de Aristóteles, este cita extenso discursod e Sólon (640-558 a.C.), mostrando que Sólon queria a libertação dos camponeses e a abolição das dívidas. Sólon dizia que seu maior feito tinha sido a libertação do povo de uma “servidão indigna”, fazendo isso “pela força da lei, unindo o coração e a justiça”. Neste ponto, Sólon seguia, sabendo ou não sabendo, o exemplo de Moisés, que viveu lá por 1.200 a. C.
No livro II da “Ética a Nicômaco”, Aristóteles explica que “virtude” é “um estado habitual” (um conjunto de hábitos adquiridos com esforços), “que dirige a decisão [as decisões práticas da vida], consistindo num justo meio em relação a nós, cuja norma é a regra moral, isto é, aquela mesmo que lhe daria o sábio”. Assim, as virtudes são regras boas, racionais e adequadas e exigidas pelo bem comum, sendo estas regras nascidas da razão humana, difundida em todos.
A própria definição de “virtude”, na “Ética a Nicômaco” (II, 4, 1107), é baseada na razão prática (“phrónesis”, sabedoria, prudência) do homem comum, do homem médio, do povo.
A lei natural é a razão criadora do povo, é a sabedoria viva do povo, é a sabedoria do homem comum, como também é ensinado na Bíblia. O jusnaturalismo é a apologia da razão prática, da razão do povo