A Igreja aceitou os melhores textos de Cicero, pois eram racionais e influenciados pela boa Tradição viva

Cícero era um platônico médio, continuador do melhor da Paidéia, combinando Sócrates, Platão, Aristóteles e os estóicos. A Igreja sempre elogiou Cícero, como fica claro nos textos de autores como Tertuliano, Santo Ambrósio, Santo Agostinho, São Tomás de Aquino e outros Santos Padres. Como explicou Cícero, no livro “Sobre a amizade” (São Paulo, Ed. Nova Alexandria, 2006, p. 25):

“prefiro acreditar na autoridade dos antigos”, “na de nossos ancestrais, que conferiam aos mortos direitos tão sagrados, coisa que não teriam feito se acreditassem que nada mais interessava aos mortos; prefiro, ainda, acreditar na opinião dos filósofos que viveram nesta terra e deram à Magna Grécia, hoje decadente, é certo, mas então, florescente, as instituições e os ensinamentos que a formaram; acreditar, enfim, na opinião daquele que o oráculo de Apolo proclamou como o mais sábio [Sócrates], e que, a esse respeito, não dizia ora isto, ora aquilo, mas sempre sustentou que as almas humanas são divinas, e que, no dia em que deixam o corpo, abre-se, diante delas, um caminho que as leva de volta ao Céu, e para as melhores e mais justas, esse retorno é mais rápido”. [não se trata de reencarnação, e sim de vida eterna, de novos corpos espirituais, ao modo dos anjos, forma em que continuaremos a viver, eternamente, como ensina o Catolicismo, os Ortodoxos etc].

No mesmo livro, Cícero explica, nas páginas 33, 35:

“… que todos nós nascemos para viver em sociedade e que o vínculo social mais se estreita, quanto mais estamos próximos uns dos outros”. (….) A amizade nada mais é, com efeito, que um entendimento perfeito em todas as coisas, divinas e humanas, acompanhado de generosidade e afeição mútua, e, tirante a sabedoria, não creio que a divindade tenha dado ao ser humano algo melhor do que ela”.

Na página 35, Cícero explica que a amizade, a cooperação fraterna de mútua ajuda, é um bem essencial, sendo parte integrante do bem comum e causa essencial do bem comum, pois, “quando a amizade liga” as pessoas, “ela apresenta tantas vantagens que eu nem saberia descrever”, sendo essencial para a “felicidade”, para “suportar as adversidades”. A amizade gera todos os bens. Gera riquezas para serem compartilhadas, prazeres, honraria, louvores,saúde, a libertação da dor etc.

Sem a “amizade” (a cooperação por consensos, por boas sínteses), “nenhuma família, nenhuma cidade poderá subsistir e a própria agricultura não poderá sobreviver”, tal o “poder da amizade”, da “concórdia” (p. 39).

As pessoas unem-se em famílias, pelo vínculo da amizade (consenso) e por força da natureza e das necessidades. As famílias se unem, gerando uma pessoa jurídica de direito natural, a sociedade, estruturada em aldeias, bairros, vilas, cidades, regiões, nações, continentes etc. Estas idéias estão nos grandes historiadores romanos, nos grandes poetas, como Virgílio e Ovídio, tal como em Horácio e Cícero.

Vejamos o conceito de Cícero sobre como deve ser o Estado perfeito, na forma Republicana, onde o Estado seja “do povo”, “para o povo” e pelo povo. O texto é retirado do livro “Da República” (Rio de Janeiro, Editora Tecnoprint Ltda, p. 93), texto elogiado e citado por Santo Agostinho, no livro “A Cidade de Deus”:

“XXI. Quem podia chamar República – continuou Cipião – ao Estado em que todos estavam oprimidos pela crueldade de um? Não havia vínculos de direito, nem consentimento na sociedade, que é o que constituía o povo. O mesmo aconteceu em Siracusa. Aquela cidade precária, que Timeu dizia ser a maior das gregas, e por sua formosura a todas preferível, não chegou a ser uma República sob a dominação de Dionísio, apesar das suas muralhas, dos seus templos e dos seus pórticos. Nada de tudo isso era do povo nem para o povo. Posto que, onde está o tirano, não só é viciosa a organização, como ontem eu disse, como também pode se afirmar que não existe espécie alguma de República”.

Para Cícero, um tribuno romano, que morreu defendendo a República, uma República (um bom governo, um Estado bem ordenado e justo) exige o “consentimento na sociedade”, “vínculos de Direito”, de consenso amigável, e é isto que “constituía o povo”. O povo deve ter o controle sobre o Estado, sendo o Estado (a coisa pública) uma coisa do povo e para o povo, algo posto sobre o controle do povo organizado em comícios e em assembléias.

Uma República (um Estado bem ordenado) deve ser do povo (“tudo isso era do povo”) e para o povo (“nem para o povo”, invertido para expor a situação correta), o que mostra as fontes romanas dos textos do pensamento republicano dos EUA e especialmente de Abraham Lincoln.

Cícero ensinava que “onde está o tirano, não só é viciosa a organização,…, como também pode se afirmar que não existe espécie alguma de República”. Por esta razão, Cícero chegou a defender o regicídio e o direito natural de revolução. São Tomás de Aquino cita estes textos de Cícero, aprovando o direito à revolução, do povo, contra governos tiranos e oligárquicos. Esta aprovação tomista foi incorporada ao “Catecismo do Vaticano”, texto usado para ministrar a catequese, na Igreja.