O Populismo católico é o mesmo que o Socialismo democrático católico, ou Trabalhismo

O “populismo” católico, exposto pelo padre Francisco Olgiatti defendia a democratização de todas as estruturas econômicas, culturais e no Estado

Monsenhor Francisco Olgiatti teve o mérito de escrever uma biografia de Karl Marx em 1919.

A biografia de Marx, deste padre, foi a segunda biografia, pois a primeira foi redigida por Franz Mehring (1846-1919) em 1918, sendo as duas quase simultâneas.

Na biografia, Olgiatti soube reconhecer os méritos de Marx.

Consegui adquirir a segunda edição, de 1920, com o prefácio de Frei Agostino Gemelli (“Carlo Marx”, Milano, Ed. Società Editrice Vita e Pensiero, 1920), e a leitura vale a pena.

Frei Agustin Gemelli (n. 1880) foi um dos líderes do tomismo na Itália, tendo elaborado boa síntese do tomismo com as idéias da psicologia experimental.

Olgiatti foi um sacerdote próximo ao círculo mais interno do Vaticano. Suas idéias refletem, assim, algumas idéias presentes no Vaticano. Ele defendia um modelo de democracia participativa, bem próximo dos melhores textos do populismo russo, americano, tal como dos radicais etc.

O livro de Olgiatti, “A questão social” (Rio de Janeiro, Ed. Fides Brasileiae/Gráfica Sfreddo, 1939), foi impresso no Brasil com a recomendação do Cardeal Leme e com amplos elogios de grandes leigos como Felício dos Santos (positivista republicano que se converteu e foi um grande leigo).

Com a recomendação do Cardeal Leme (vide, a propósito, a bela biografia deste cardeal, redigida por Alceu) e o apoio de Felício dos Santos, é óbvio que a doutrina social foi endossada pela cúpula da Igreja, no Vaticano e no Brasil, pois o Cardeal Leme não se mexia sem o aval do Vaticano. Vejamos abaixo o “programa” de Olgiatti.

Na parte programática (sobre “o futuro”), Olgiatti expunha os pontos programáticos referentes ao setor agrícola e urbano. Na parte sobre a área agrícola, Olgiatii defendia a reforma agrária, defendendo o controle camponês sobre a terra, através de “cooperativas entre camponeses, os quais assumem diretamente a gestão do negócio, mediante administração coletiva, integrada pela forma cooperativa, para aquisições e vendas coletivas”. O MST concordaria.

Na parte sobre a indústria, Olgiatti recomendava a “participação nos lucros”, a ampliação da legislação trabalhista e securitária e “a administração direta das fábricas, assumidas sob a sua responsabilidade por cooperativas de produção e de trabalho, isto é, por grupos de trabalhadores que sejam os proprietários dos meios de produção e recebam inteiramente o fruto do seu trabalho”.

Em suma, Olgiatti defendia a fórmula de Buchez, de difusão do cooperativismo, de transformação das unidades produtivas capitalistas em unidades cooperativas, com planejamento estatal participativo. As estatais também teriam co-gestão.

Olgiatti transcreve, na p. 242, um trecho do Manifesto do Episcopado católico dos EUA (pró-Roosevelt), com o seguinte texto: “Acreditamos, olhando para o futuro, que mudanças sejam necessárias na nossa ordem social, mudanças que chegarão até à abolição do sistema de salários”.

Estas idéias estavam presentes também em Sismondi (um grande economista cristão), tal como estavam também nas idéias dos dois Mirabeau.

O próprio Marx citou, nos textos sobre a acumulação originária do capital, “Mirabeau, o leão da Revolução”, onde este ataca “as grandes manufaturas, em que centenas de operários trabalham” para enriquecer “prodigiosamente a um ou mais empresários”.

Mirabeau (o pai, principalmente, mais também, um pouco, o filho, que era assessorado por padres Jesuítas) defendia o campesinato (as pequenas granjas), os artesãos e pequenos burgueses, considerando os latifúndios e os grandes manufatureiros (grandes capitalistas) como exploradores.

Marx descreveu bem este processo de acumulação: “as grandes manufaturas, assim como as grandes granjas [latifúndios], formaram-se unindo muitos pequenos centros de produção e expropriando muitos pequenos produtores independentes”.

Ao lado de Mirabeau filho, que teve imenso papel na revolução francesa, estava o padre jesuíta Cerutti, com grande atuação ao lado do Leão e que rezou missa fúnebre na morte do Leão.

Este apreço por meios de produção pequenos controlados pelos trabalhadores faz parte da tradição cristã, como destacou Alceu Amoroso Lima em inúmeros textos e tem, no bojo do apreço, o ponto programático que os trabalhadores devem controlar os meios de produção, a natureza, e serem os beneficiários da produção.

Olgiatti também defendia a “Sociedade das Nações” (precursora da ONU), como queria Bento XV, “cessados todo o imperialismo cobiçoso e a mútua concorrência fratricida, causa de guerras e de conflitos, se proceda ao desarmamento geral, em terra e em mar”; uma “legislação internacional do trabalho” (sobre remuneração do trabalho, horas de trabalho, sábado inglês–não trabalhar nem nos sábados e nem nos domingos; nascida de “congressos internacionais, representando das classes organizadas de cada nação”. Queria um Estado dirigente, planificador, mas controlado pelos trabalhadores, organizados em extensa organização sindical-profissional.

Leão XIII, na encíclica ao povo francês, em 08.09.1899, já adotava o populismo, exortando a

Ides ao povo, aos operários, aos indigentes. Procurai ajudá-los, por todos os meios, suavizar-lhes a sorte, moralizá-los. Neste intuito, realizai reuniões e Congressos, fundais patronatos, círculos, caixas rurais… É, ainda, com esta finalidade que vós escreveis livros ou artigos nos jornais e nas revistas periódicas”.

Pio XI, na “Divini Redemptoris”, também usou o antigo lema dos populistas, da linha de Sturzo:

“Aos Sacerdotes. É oportuno ir ao povo.

Em todas as coisas deste gênero, que tão estreitamente ligam os interesses da Igreja e do povo cristão, se vê qual deve ser a atitude dos que exercem funções sagradas e quão variados frutos será capaz de produzir a sua doutrina, prudência e caridade. Que é oportuno ir ao povo e freqüentá-lo salutarmente, acomodando-lhe ao tempo e às circunstâncias. Nós o afirmamos mais de uma vez falando a membros do clero. Mais vezes ainda, por cartas dirigidas, durante estes últimos anos, a Bispos e a outras pessoas de caráter sagrado (Ao geral dos Frades Menores, 25 de Novembro de 1898), louvamos essa providência afetuosa para com o povo e dissemos que ela convinha tanto ao clero regular, como ao secular”.

Conclusão: Leão XIII e até Pio X usaram expressões semelhantes, deixando claro que o populismo é a linha anticapitalista da Igreja. A linha da ação católica (cf. Leão XIII), de fazer tudo girar em prol do bem do povo.